Ao fim de mais de uma década de avanços e recuos, foi finalmente alcançado, em junho, um acordo sobre a diretiva europeia Women on Boards, relativa à participação das mulheres nos conselhos de administração das sociedades cotadas em bolsa. O entendimento surgiu nas negociações interinstitucionais envolvendo o Parlamento Europeu e o Conselho. Tratou-se de um momento histórico, que será recordado no futuro como um marco na luta contra a discriminação baseada no género na União Europeia.
O termo “discriminação” não é aqui utilizado de ânimo leve. Apesar das acentuadas diferenças entre Estados-membros, a desproporção no acesso aos cargos de topo é evidente na Europa. De acordo com dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), as mulheres representam menos de 30% dos membros dos Conselhos de Administração e apenas 8% dos CEO das principais sociedades cotadas da Europa.
Quando confrontamos estes números com o facto de, na União Europeia, as mulheres constituírem atualmente 60% dos novos diplomados das universidades, e de estarem já em pé de igualdade com os homens em termos de representatividade na força laboral, não existe outra conclusão possível para além da existência de uma cultura empresarial que ainda diferencia em função do género quando se trata de decidir quem lidera.
A diretiva parte desta consciência de que a Europa tem um número elevado de mulheres altamente qualificadas, número esse em constante crescimento, procurando criar as condições para que essa realidade seja refletida nas práticas das empresas. Não através da atribuição de quotas, mas definindo metas vinculativas, com e penalizações para que não as cumpre.
Especificamente, é estabelecido o objetivo de que pelo menos 40% dos lugares de administradores não-executivos das sociedades cotadas em bolsa sejam ocupados “pelo género sub-representado” – em geral, as mulheres -, ou 33% dos lugares de administradores executivos e não executivos, desde que exista um equilíbrio entre estes.
Mas esta é apenas uma das vertentes da diretiva, que procura ir mais além, identificando os fatores específicos que estão na origem das atuais discrepâncias e apontando caminhos concretos para os superar. Entre estes, a consciencialização, logo nas escolas e universidades, para os benefícios da promoção da igualdade de género nas empresas, mas também a promoção de maior rotatividade nos conselhos de administração das empresas e a valorização das empresas que fazem da igualdade de género um dos pilares da sua filosofia.
Tive o privilégio de estar associada a esta diretiva, na qualidade de negociadora em nome do Partido Popular Europeu, e uma das ideias que defendi insistentemente foi o facto de a igualdade de género nos conselhos de administração, ou em qualquer outro cargo de decisão, não ser positiva apenas para as mulheres, mas para toda a economia e sociedade europeias. Porque garante o acesso a bolsas de talento que até agora estão a ser subaproveitadas.
O equilíbrio de género nos conselhos de administração é essencial para uma utilização eficiente do capital humano existente, num mundo altamente competitivo. Pode fazer a diferença para a União Europeia face a outras economias menos progressivas nesta matéria. Não apenas pelos talentos que se aproveitam, mas também pelas aptidões específicas que as mulheres trazem para estes cargos.
Por exemplo, estão amplamente documentados os benefícios que a igualdade de género traz em termos de governança corporativa, no desempenho das equipas, no processo de decisão e na própria diversidade de estratégias seguidas.
Além disso, o reforço da presença das mulheres nestes órgãos de decisão permitirá também criar modelos que irão inspirar outros talentos femininos a procurarem afirmar-se em todos os níveis de gestão e nos diferentes setores de atividade, nomeadamente naqueles onde as mulheres estão ainda sub-representadas, como as tecnologias da informação. E isso ajudara a combater assimetrias salariais que, mais tarde, se traduzem em diferenças acentuadas nos valores das reformas.
Lamentavelmente, e durante muito tempo, alguns Estados-membros olharam para esta diretiva como uma ingerência nas suas ordens jurídicas internas, nas dinâmicas do setor privado e até, em alguns casos, como um suposto ataque ao princípio da meritocracia.
Uma lógica difícil de entender quando o que está em causa é precisamente assegurar que os melhores, sejam estes homens ou mulheres, têm uma oportunidade equivalente de alcançarem os cargos mais altos. Por sinal, materializando o princípio da igualdade que consta há muito do direito constitucional da generalidade dos Países europeus, bem como as próprias leis da União proibindo a discriminação em função do género.
Felizmente, as perceções começaram a mudar em alguns destes Países o que, somado a uma conjugação muito ampla de vontades em todas as instituições comunitárias, permitiu que se ultrapassassem barreiras que chegaram a parecer intransponíveis.
Além do Parlamento Europeu, da sua presidente Roberta Metsola, e da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que sempre apoiaram este passo de forma inequívoca, no Conselho Europeu, o Presidente francês Emmanuel Macron foi também um grande impulsionador da aprovação desta diretiva.
A França queria ver este dossiê fechado durante a sua presidência do Conselho e, efetivamente, alcançou esse objetivo. E pode dizer-se que é justo que tenha sido este país a “apadrinhar” o acordo, já que a França é atualmente o Estado-membro mais próximo do equilíbrio de género nos Conselhos de Administração. Mais concretamente, as mulheres representam 43% dos conselhos de administração das suas principais sociedades cotadas em bolsa.
É essencial que este exemplo seja seguido em toda a Europa. E é essencial, acrescento, que as próprias entidades da União Europeia, incluindo os seus muitos órgãos e agências, corrijam os desequilíbrios existentes nas suas lideranças. A minha esperança é, por isso, que a diretiva Women on Boards, mais do que um fim em si mesmas, seja o inicio da construção de uma Europa mais justa e equilibrada e, por isso, melhor para todas e todos os europeus.