Tanto quanto sabemos, Masha Amini não era uma ativista. Não foi presa por ter participado em protestos como aqueles que, por estes dias, agitam o Irão na sequência da sua morte. Nem sequer por ter-se recusado a usar o véu (Hijab) que, por estes dias, mulheres corajosas retiram nas ruas. Era uma rapariga curda de 22 anos, de visita a Teerão com a família, cujo alegado "crime" foi ter deixado alguns cabelos à mostra. Ou talvez tenha sido o facto de ser bonita. Demasiado bonita para os padrões de uma polícia religiosa cuja conduta contraria o próprio nome.
No meio da absoluta tristeza que é constatar, mais uma vez, que o simples facto de ser mulher continua a ser uma sentença em algumas partes do mundo, em pleno século XXI, não posso deixar de olhar com admiração e esperança para a onda de indignação que esta tragédia desencadeou. Numa região em que tanto se glorificam os mártires, talvez Masha tenha sido a mártir que desencadeou ventos de mudança. Talvez, um dia, lhe seja reconhecido esse papel. Não bastará para compensar o absurdo desperdício da sua curta vida, mas poderá dar-lhe algum sentido.
Entre as vítimas da repressão aos protestos, segundo li, estava um rapaz de 16 anos. Um rapaz iraniano que saiu à rua para defender os direitos das mulheres do seu país. A esperança não morre: renova-se através da juventude. E o nosso dever é continuar a alimentar essa chama.
Quando falamos na luta pela igualdade dos géneros, o que as mulheres querem - o que nós queremos - é viver num mundo no qual o género com que se nasceu não tenha influência nos horizontes a que se pode aspirar. Onde as diferenças, que existem, sejam mais-valias postas ao serviço do bem comum. Um mundo onde as mulheres possam vencer ou errar como os homens. Ser imperfeitas como os homens. Ainda não vivemos nessa realidade. Mesmo no mundo livre ainda há muitos hijabs por arrancar. Mas apesar de tudo existem diferenças.
Giorgia Meloni, em vias de se tornar na primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra de Itália, está longe de poder ser apresentada como uma bandeira da luta pela igualdade dos géneros. Pelo contrário: muitas das suas posições públicas em matéria de direitos, liberdades e garantias, estão nos antípodas dessa causa. Não olho para a sua eleição com o simbolismo que, por exemplo, vi na eleição de Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia. Não me imagino a identificá-la como um exemplo de liderança no feminino, como foi a vários níveis Angela Merkel ou como me parece ser, por exemplo, Jacinta Arden, na Nova Zelândia. A única nota que retiro desta notícia é o facto de, na Europa, mesmo entre forças políticas ultraconservadoras, escolher uma mulher como líder já ser uma opção normal.
Por outro lado, mulheres aparentemente moderadas e competentes, com um currículo assinalável e uma conduta ética sem reparos, continuam a ser ignoradas em eleições pelo mundo fora. No Brasil, por estes dias mobilizado numa luta extremada entre Bolsonaro e Lula da Silva, ninguém fala em Simone Tebet. Advogada, professora, política. Respeitada por académicos e intelectuais. Com o apoio de grandes partidos. Primeira mulher a liderar a Comissão da Constituição e Justiça no Senado. Para a imprensa e, a julgar pelas sondagens, para o eleitorado brasileiro, é como se não existisse naquela luta de galos.
As supostas "virtudes" que Masha foi acusada de violar resultam de um modelo de tal forma distópico que só podemos acreditar que os seus dias estarão contados. Mas não devemos iludir-nos com a ideia de que vivemos numa realidade oposta. Também, no chamado mundo livre, as mulheres continuam a ser vítimas de abusos vários. Basta lembrar os vergonhosos números da violência doméstica no nosso país. Basta pensar nas barreiras que estas continuam a sentir para se afirmarem em diferentes setores da sociedade, nomeadamente nos cargos de liderança.