O poeta Jorge de Sena, que era também engenheiro civil formado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, escreveu um poema chamado: “A diferença que há”, onde comparou os estudiosos com os poetas.
A diferença, explicou ele, é que os primeiros “passam a vida inteira com o nariz num assunto, a tentar decifrá-lo”, enquanto os segundos “leem três páginas, farejam as restantes (nem sequer todas) e sabem logo do assunto o que os outros não conseguiram saber”.
Citei este poema há uns dias, numa conferência sobre o futuro dos engenheiros, promovida pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto. Não por concordar a 100% com a afirmação de Jorge de Sena (continuo a acreditar que o estudo é o melhor caminho para o conhecimento) mas por julgar compreender o que ele realmente nos queria transmitir.
A persistência, a memorização, o treino, são ferramentas fundamentais para a vida. Mas serão sempre incompletas se não vierem acompanhadas de competências como a capacidade de interpretar, de cruzar conceitos, de trocar pontos de vista com terceiros, de pensar fora da caixa, de imaginar. E estas capacidades, inatas nos bons poetas de que nos fala Jorge de Sena, são cada vez mais necessárias.
Precisamos delas para nos prepararmos para a vida. Vivemos num mundo em acelerada evolução, onde quem entra no mercado de trabalho nem sequer sabe se a profissão que escolheu continuará a existir, quanto mais se terá emprego para a vida. Julgo que foi o Banco Mundial a estimar que mais de metade das crianças que nascem atualmente irão trabalhar em atividades que ainda nem sequer foram inventadas.
E precisamos delas para melhor correspondermos às necessidades desse mundo, num período em que somos forçados a questionar e repensar muitas das “certezas” com as quais convivemos durante décadas.
Como combater as alterações climáticas? Como assegurar que tecnologias como a Inteligência Artificial e a robótica servem os cidadãos em vez de se servirem deles? Como garantir a segurança e a privacidade nas redes? Como impedir pandemias e crises humanitárias de diversas ordens? Como continuar a crescer sem comprometer as futuras gerações?
Em Engenharia, existem muitos exemplos de desafios concretos, como a questão da conceção sustentável das cidades, a captura de carbono a uma escala industrial, a viabilidade económica das fontes de energia sustentáveis. Mas facilmente podemos pensar em inúmeros objetivos para todos os restantes atores, de líderes e decisores políticos a ativistas, de industriais a conservacionistas.
A boa notícia é que estes talentos, a que costumamos chamar de soft skills, podem ser trabalhados. E devem ser trabalhados. E é neste capítulo que se torna fundamental o papel das instituições do ensino superior, como formadoras por excelência dos futuros profissionais. As mais informadas já o compreenderam, dando início a um conjunto de transformações nos seus modelos de ensino. As restantes terão de fazer o mesmo caminho, sob pena de deixarem de acompanhar a marcha dos tempos.
Para dar um exemplo que me é mais próximo, em Portugal, e mesmo internacionalmente, o Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, tem uma excelente reputação, não sentindo qualquer dificuldade para atrair bons alunos. Contudo, sentiu esta necessidade de repensar os seus métodos.
Há alguns anos, foi criado um grupo de trabalho para examinar seus diplomas de engenharia. Essa equipa consultou especialistas e ex-alunos. Estudou exemplos de boas práticas, do MIT e Carnegie Melon à Universidade de Tecnologia e Design de Singapura. E a conclusão foi que o Técnico, de fato, precisava mudar.
O resultado foi um novo método de ensino, chamado: “Técnico 2021”, que enriqueceu as suas práticas com conceitos como design, treino prático, aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem baseada em pesquisa e aprendizagem baseada em problemas. Eu acrescentaria a ciência de dados a esta lista, não apenas em engenharia, mas também como uma habilidade transversal em todas as áreas do conhecimento.
Essa é uma avaliação que precisa de ser feita por toda as instituições que desejam, não apenas sobreviver, mas garantir que seus alunos tenham sucesso na vida. E que consigam deixar uma marca positiva no mundo nesse processo.