Ciclicamente, em especial em momentos de crise, os eurocéticos retomam os argumentos contra a participação portuguesa no projeto europeu. Falam da moeda única e do suposto travão ao crescimento que esta constitui, dos acordos e tratados e da alegada perda da soberania nacional. Esquecem, invariavelmente, os progressos alcançados ao longo destes quase 35 anos desde a adesão à Comunidade Económica Europeia, a 1 de janeiro de 1986.
Em rigor, no nosso caso, estas opiniões representam uma pequena minoria. Sucessivos estudos têm confirmado que os portugueses estão entre os cidadãos dos Estados membros que mais se sentem europeus, e essa afinidade tem-se mantido em períodos difíceis, até - como sucedeu durante o confinamento, este ano - quando a confiança geral dos consumidores atinge valores particularmente baixos.
Ainda assim, nunca é de mais frisar o privilégio que constitui pertencermos a um projeto que, longe de nos condicionar, nos abre horizontes aos quais nem nos atreveríamos a aspirar se caminhássemos sozinhos.
O que seria de Portugal, um país de média dimensão, numa zona periférica em relação ao continente europeu, se tivesse de enfrentar esta pandemia de covid-19 sem ter por trás a força da União Europeia? Deixando de lado as questões económicas, a famosa "bazuca" do plano de recuperação, como e quando iríamos ter condições para arrancar com um plano de vacinação como aquele que começou em todo o espaço comunitário no passado fim de semana?
As vacinas contra a covid-19, nomeadamente a Curevac e a BioNtech/Pfizer, foram desenvolvidas graças a investigação cofinanciada por fundos europeus. Os lotes a atribuir aos diferentes países foram negociados em bloco pela Comissão Europeia, com enormes vantagens, desde logo dando aos laboratórios a confiança de que precisavam para fazerem investimentos avultados, concentrados num período de tempo muito reduzido. A produção, no caso da BioNtech/Pfizer, está a ser feita na Europa. E a distribuição foi desenhada à escala europeia, com critérios uniformes.
Ironicamente, quando o Reino Unido arrancou com o seu próprio plano de vacinação, pouco mais de duas semanas antes dos países da União Europeia, houve quem apontasse esse facto como uma suposta prova das vantagens do Brexit, afirmando que tal teria sido impossível à luz das regras europeias.
Além de manifestamente falsa - porque a legislação que permitiu essa autorização extraordinária de entrada no mercado das vacinas é europeia -, a afirmação roça a piada de mau gosto. Sem investigação científica apoiada pela União Europeia, na qual de resto o Reino Unido ainda participou como Estado membro, os britânicos não teriam vacinas para distribuir a 8 de dezembro.
O acordo para a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia foi uma das boas notícias deste final de ano. No entanto, isso não significa que não existam arestas a limar ao nível dos direitos e deveres de parte a parte, algumas das quais serão ainda debatidas no Parlamento Europeu. Pessoalmente, custa-me aceitar a ideia de que o Reino Unido, continuando a participar - e bem - na investigação europeia, sairá do programa Erasmus, fechando as suas universidades a muitos estudantes, docentes e investigadores europeus. A Europa, para os Estados membros e para os outros, não é algo de que se possa escolher o que se quer, descartando o restante.