O acordo alcançado entre a União Europeia e o Reino Unido, na véspera de Natal, é obviamente positivo. A incerteza sobre o futuro desta relação, numa crise tão acentuada como aquela que atravessamos, seria prejudicial para todos. Contudo, há um reverso da medalha, que é a consagração como factos consumados de aspetos que poderiam e deveriam ter sido mais bem negociados.
Há cinco programas em que o Reino Unido vai participar: Horizonte Europa (exceto o Conselho Europeu de Inovação), Euratom, Copernicus, o projeto ITER e o sistema de vigilância e rastreamento por satélite da União Europeia. Aqui, não se entende desde logo a exclusão do Erasmus, até porque a área do conhecimento deveria ser tratada como um todo, nunca separando a ciência da educação.
O Parlamento Europeu prepara-se para tomar uma posição sobre o acordo e, numa primeira leitura, ao aprová-lo, estará a delegar todas as competências nesta matéria na Comissão Europeia. Mas na minha opinião, que é acompanhada por muitos eurodeputados, não será bem assim. Há ainda um papel de escrutínio e supervisão a desempenhar.
De acordo com o artigo 218.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em particular no seu ponto sexto, continuará a ser necessária a aprovação do Parlamento em matérias que tenham implicações orçamentais importantes para a União, bem como de entendimentos que envolvam aspetos legislativos. E não há dúvidas de que estão aqui em causa as duas situações.
Preocupam-me particularmente os termos em que ficou definida a futura participação do Reino Unido no programa-quadro da ciência e inovação, o Horizonte Europa. Ao contrário de outros parceiros externos importantes deste programa, como a Suíça, cuja participação está vinculada por acordos de associação, o Reino Unido acede ao Horizonte Europa em condições muito favoráveis, sem o nível de corresponsabilização que é exigido aos restantes países que não pertencem à União Europeia. Esse é um dos aspetos a monitorizar. Falamos, apenas, do país que mais beneficiou com o anterior programa-quadro, o Horizonte 2020.
É verdade que estará sujeito a certas regras. Por exemplo, a manter uma relação equilibrada entre as contribuições e os benefícios económicos retirados do programa, comprometendo-se a devolver tudo o que exceda uma mais-valia de 8%. Mas são necessárias outras garantias, que o Parlamento Europeu poderá ajudar a concretizar, nomeadamente o acesso às universidades britânicas por estudantes e professores dos Estados membros.
Mais uma vez, não está em causa a participação do Reino Unido. A mais-valia do país para os projetos de investigação europeus é inegável. Porém, até pelos sinais que são dados a outros parceiros, a presente situação não é a ideal.
Uma nota final para a situação nos Estados Unidos, culminada com os eventos da semana passada no Capitólio. Sobre este tema, prefiro sublinhar a esperança que deposito na América que teremos após a tomada de posse de Joe Biden, no dia 20. A Europa e o mundo precisam de uns Estados Unidos comprometidos com os desafios globais em matéria de saúde, segurança, clima e digitalização. E os Estados Unidos também precisam de nós para se reencontrarem com a sua grandeza. Voltarei a este assunto na próxima semana.