Não me contando entre os entusiastas de A Guerra dos Tronos, tenho dado por mim recentemente a repetir na cabeça uma das suas mais famosas frases: "O Inverno está a chegar".
O drama que me causa esta inquietação nada tem de ficcional, ainda que conte com muitos dos ingredientes da obra de George R.R. Martin: uma grave crise, desencadeada por uma agressão inimaginável. Personagens sinistras. Interesses em confronto. E um desenlace imprevisível.
A imprevisibilidade, desejável quando se trata de entretenimento televisivo, é mesmo a pior parte desta história. Porque é de energia que falo. Mais concretamente do crescimento descontrolado dos seus preços, que continua a arrastar-nos numa inflação sem fim à vista.
Todos sabemos que os mercados lidam muito mal com a incerteza. O compromisso alcançado há alguns meses pelos estados-membros, no sentido de se reduzir em 15% o consumo do gás, principal motor da escalada dos preços da eletricidade, foi de grande importância. Tal como são de grande importância os esforços desenvolvidos ao nível de cada estado-membro, no sentido de promover a racionalização dos consumos. Mas ultimamente tem-se tornado evidente que esses esforços não bastarão para garantirem a segurança energética às nossas empresas, indústrias e cidadãos no próximo inverno.
as palavras do primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, "o preço da incerteza está a tornar-se impossível" de suportar. E, mesmo países que se têm revelado relutantes em recorrer à solução extrema de estabelecer limites administrativos a esta escalada, como a Alemanha, assumem que alguma coisa terá de ser feita. "Obviamente, o que está agora a ser definido como o valor de mercado não é um reflexo da oferta e procura", referiu a este propósito o chanceler Martin Scholz.
Desde o início do ano que a Comissão Europeia tem vindo a estudar medidas de contingência adicionais para fazer face a um possível corte total do abastecimento do gás proveniente da Rússia. No entanto, nos últimos meses, o receio instalado nos mercados parece estar a contribuir mais para a atual crise do que a efetiva escassez dos recursos oriundos daquele país.
De acordo com dados de julho, as importações de gás natural russo para a Europa representam atualmente cerca de um terço dos valores médios da última década. Mesmo assim, na semana passada, a Alemanha revelou que estava a conseguir abastecer os seus stocks a um ritmo superior ao previsto. É uma notícia extraordinária! A Europa parece estar a conseguir adaptar-se a esta nova realidade. Mas os mercados não estão a corresponder às notícias positivas com a mesma intensidade com que reagem ao menor sinal de alarme.
Por esse motivo, terá lugar em Bruxelas, no próximo dia nove de setembro, uma reunião extraordinária do Conselho, promovida pela Presidência Checa, destinada a lidar com a presente crise de preços. Antes disso, deverão ser conhecidas novas propostas da Comissão Europeia, que poderão passar pela muito falada separação do preço do gás dos mecanismos que fixam os preços da eletricidade. Parte do que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu como "um novo desenho para todo o mercado da energia".
Entretanto, espero que este momento seja também aproveitado para transformar em compromissos sérios, com calendários e financiamentos garantidos, algumas das intenções que têm sido assumidas. Desde logo a construção das interligações do gás, como a que deverá ligar a Península Ibérica ao resto da Europa, as quais tornarão a UE mais independente e resiliente em questões energéticas.