Os números em torno do Estatuto do Cuidador Informal, cuja entrada em vigor assinalou um ano em abril, são de tal forma fracos que só nos podem levar a concluir que não há "remendos" que salvem esta legislação, que terá de ser refeita de raiz. Num ano marcado pela pandemia de covid-19, que aumentou substancialmente a necessidade destes serviços, foram deferidos apenas 2719 requerimentos, de um total de 7453, num país onde, de acordo com os representantes dos cuidadores, o universo total das pessoas que se dedicam a dar este apoio a terceiros cresceu substancialmente, para quase 1,4 milhões de pessoas.
As explicações para este falhanço - não há outra forma de o descrever - são várias, mas parecem todas entroncar no mesmo problema de base: a falta de vontade política do governo para tratar este tema com a consideração e o empenho que se justificavam. Mesmo tratando-se de um anseio antigo, e longamente negociado.
Em primeiro lugar, não parece ter sido feito qualquer esforço sério de divulgação do estatuto junto dos seus potenciais beneficiários. Um estudo do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais revelou que 60% dos inquiridos não sabiam sequer que poderiam aceder a estes apoios. É preciso recordar que muitos dos cuidadores informais são pessoas de uma certa idade, com dificuldades no acesso à informação e, principalmente, na "navegação" dos procedimentos necessários à obtenção destes apoios.
Sobretudo, e esse é o segundo motivo, num sistema que aparenta ter sido montado com uma carga burocrática de tal forma complexa que o próprio Instituto de Segurança Social já confirmou a publicação de pelo menos duas portarias tendo em vista a sua "simplificação".
Mas o problema de fundo, repito, está na génese deste diploma. Um estatuto que nasceu com a missão de integrar e enquadrar um grupo alargado de prestadores de serviços, que se substituem ao Estado numa das suas funções essenciais - poupando-lhe dinheiro e recursos humanos -, mas que foi construído numa lógica de exclusão. Nos cuidados que podem ou não ser contemplados. Na relação entre o cuidador e o cuidado. Nas incompatibilidades com outros apoios sociais.
Como explicar, por exemplo, que um beneficiário de uma pensão de velhice não possa ser compensado pela sua atividade como cuidador? Que mensagem se está a dar, com essa regra, a pessoas que, tendo atingido uma determinada fase da vida, continuam a prestar um serviço inestimável à sociedade? O mesmo se pode dizer dos requisitos em termos de relações de parentesco com a pessoa cuidada e até de partilha de habitação que, na prática, excluem todos os não familiares e até membros da própria família que não partilhem o mesmo teto com a pessoa a quem dedicam o seu tempo e atenção.
Tudo somado, o que temos não é um estatuto que reconheça a função social do cuidador informal, muito menos a relevância do seu papel, mas um mero subsídio limitado a um grupo restrito de potenciais beneficiários.
É uma pena que assim seja porque, ao propor-se enquadrar os seus cuidadores informais, Portugal tinha-se colocado na linha da frente de um movimento que está a crescer em toda a Europa. Há exatamente um ano, em conjunto com a minha colega eurodeputada Frances Fitzgerald, escrevi um artigo apelando a uma Estratégia Europeia para os Cuidadores, uma batalha que tem sido assumida pelo Partido Popular Europeu e que ganhou força com o papel inestimável desempenhado por estes cuidadores - ou cuidadoras, já que a grande maioria são mulheres - durante a pandemia. O nosso país poderia ter sido um caso de estudo, um modelo a seguir, mas, nesta fase, parece mais um exemplo do que não se deve fazer.