Os planos orçamentais da Comissão Europeia para os próximos sete anos, apresentados no dia 26 de maio, geram sensações contraditórias. Por um lado, entre Quadro Financeiro Plurianual e Plano de Recuperação do COVID-19, o envelope financeiro ascende a 1,85 bilhões de euros, o que representa uma melhoria global assinalável face ao que era anteriormente estimado. Por outro, num conjunto significativo de áreas, não é possível descortinar os meios com os quais o executivo de von der Leyen pretende concretizar as suas ambições.
Entre os compromissos mais firmes está um plano especifico para a área da Saúde, destinado a melhorar a resposta em termos de medicamentos, equipamento e conhecimento, para fazer face a esta pandemia e preparar futuras crises. Ascende a 9,4 mil milhões de euros, um valor 23 vezes superior ao que a Comissão tinha no orçamento europeu de 2014-20.
Igualmente decidida – e inovadora – é a proposta da Comissão de ir aos mercados, oferecendo os seus próprios orçamentos como garantia, para recolher até 750 mil milhões de euros para apoiar os estados-membros no período de recuperação. Isto, sendo que, deste valor, 500 milhões serão entregues a fundo perdido. É uma medida que ainda terá de passar pelo crivo do Conselho Europeu, sendo conhecidas as objeções do chamado grupo dos países frugais, mas poucos duvidarão de que se trata de um passo necessário e no bom sentido.
As coisas ficam menos claras quando entramos nos pilares estratégicos desta Comissão, que a própria continua a assumir como motores para a sustentabilidade e competitividade futura da economia Europeia. O Green Deal, com ênfase na transição para energias verdes. A transição digital. A modernização da Indústria. Nestas áreas, as ambições estão lá. Já as linhas diretas para as financiar, nomeadamente por via dos imprescindíveis investimentos na investigação cientifica, que possibilitará os saltos tecnológicos necessários, são mais difusas ou aparentemente inexistentes. Aqui, o Parlamento Europeu terá ainda uma palavra forte a dizer.
É verdade, mais uma vez, que o programa-quadro da Ciência, o Horizonte Europa, tem um reforço previsto, comparado com a proposta inicial 2018, de cerca de onze mil milhões de euros, para um total de 94 mil milhões. Um acréscimo justificado sobretudo pela iniciativa “Next Generation Europe” (Plano de Recuperação). Mas esperava-se uma melhor concretização, traduzida em verbas específicas, do papel transversal da ciência e inovação em todas as grandes opções estratégicas da União.
Há ainda áreas claramente deficitárias, sobretudo tendo em vista esse objetivo de preparar a “próxima geração” europeia, como a Cultura e a Educação. O pequeno aumento do Programa Erasmus é um dos dececionantes exemplos, entre muitos outros.
A Comissão parece acreditar que os próprios estados-membros irão assegurar esses investimentos, aproveitando o embalo do dinheiro que agora lhes será colocado nas mãos. E isso talvez seja verdade para alguns. A Alemanha, por exemplo, acaba de anunciar um envelope adicional de 10 mil milhões para investir no chamado Triângulo do Conhecimento: Inovação, Investigação e Educação. Mas esperar que todos os países o façam, com verbas das quais poderão dispor com grande latitude, é uma opção arriscada, que poderá eternizar ou acentuar as atuais assimetrias.
Isso conduz-me ao caso português. Os 26,3 mil milhões de euros atribuíveis ao país – 15 mil milhões dos quais a fundo perdido – são, a todos os níveis, uma excelente notícia. Até porque serão ainda complementados pelo orçamento regular da União Europeia. Não é exagero dizer que a Europa nunca nos deu tanto, nem tanta flexibilidade para o utilizar. O atual governo tem, por isso, condições únicas para ultrapassar esta crise e lançar as bases para o futuro sustentável de Portugal. É muito importante que atue sem esquecer as euforias e desvarios de um passado recente, que nos conduziram a uma dolorosa e humilhante intervenção externa.