Não se adivinharia, a avaliar pela quase ausência do tema nas notícias, mas o Parlamento Europeu e o Conselho chegaram recentemente a acordo sobre a diretiva reforçada relativa ao Desempenho Energético dos Edifícios. Um diploma que promete ter um enorme impacto, para melhor, nas vidas de milhões de europeus. Desde logo os portugueses. Mas que vem acompanhado de desafios tremendos.
Com este acordo, os Estados-membros comprometeram-se a implementar "trajetórias nacionais" que permitam reduzir o consumo primário de energia dos edifícios residenciais em 16% até 2030 - ou seja: no prazo de seis anos -, elevando-se esta fasquia para os 20% a 22% em 2035. Mais do que isso, pelo menos 55% dos resultados em termos de redução dos consumos terão de ser alcançados nos edifícios com pior desempenho. No setor não-residencial aplica-se uma meta idêntica até 2030, a qual sobe para os 26% em 2033.
O principal objetivo desta reforma é dar um contributo decisivo para a neutralidade carbónica da UE em 2050, ou não fossem os edifícios responsáveis por 40% do consumo energético europeu e 36% das emissões de gases com efeitos de estufa ligadas à energia. Mas, para países como o nosso, a previsível vaga de renovação que se terá de seguir, constitui uma oportunidade única e irrepetível de resolvermos um dos problemas mais graves de injustiça social com que nos deparamos, que é a falta de resposta para o direito constitucional à habitação condigna.
Todos os invernos, em Portugal, somos confrontados com notícias trágicas de pessoas que perderam a vida na tentativa de manterem as suas casas aquecidas, desde as mais comuns situações de inalação de fumos das lareiras a, como sucedeu nesta semana com uma jovem mãe de 24 anos, problemas com aquecimentos elétricos defeituosos e de má qualidade. E estas notícias são apenas a ponta do icebergue de uma lista de mortes evitáveis, anónimas, relacionadas com o frio e com as doenças que este potencia, sobretudo entre os idosos.
Paradoxalmente, sendo Portugal um país de clima temperado, onde as temperaturas raramente baixam até aos valores registados na Europa Central, muito menos aos dos países do Norte e do Leste, estamos no pouco invejável grupo de Estados-membros da União Europeia onde mais de 16% da população não tem meios para aquecer as suas casas no inverno. Aliás, só três países estão em pior situação do que Portugal: a Bulgária, a Lituânia e Chipre.
E as estas franjas da população somam-se muitos outros que o fazem com grandes sacrifícios. A tal classe média que, fora do alcance das ajudas estatais, está essencialmente desprotegida.
Uma parte deste problema poderá ser atenuada com medidas destinadas a empoderar os consumidores, como as que constam do novo Desenho do Mercado Europeu da Eletricidade, do qual fui negociadora Pelo Partido Popular Europeu. Mas a questão de fundo, que temos de resolver, é a da habitação. Temos um parque habitacional particularmente envelhecido e em que, mesmo no caso de novas construções, só recentemente começaram a pesar as preocupações em matéria de eficiência energética.
E as coisas não estão a melhorar. No contexto atual, com uma grave crise de oferta de habitação a preços acessíveis, muitas famílias são obrigadas a optar por soluções precárias, onde o conforto térmico é sacrificado ao objetivo mínimo de ter um teto sobre a cabeça.
Por isso mesmo, não há tempo a perder. Ações pontuais, como as campanhas que o Governo tem promovido para apoiar a reabilitação de edifícios e a aquisição de equipamentos destinados a melhorar a eficiência energética das casas, são seguramente importantes. Mas não chegarão para resolver os problemas que temos a este nível. Mais uma vez, são apoios apenas acessíveis, ou à franja mais carenciada da população, ou a alguns proprietários, com capacidade financeira para fazerem estes investimentos na esperança de serem ressarcidos a posteriori. Grande parte da população fica de fora. Precisamos de um verdadeiro plano nacional para a habitação, que chegue a todos.
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