A atual crise no setor da energia é um desafio global, com diferentes causas e mais do que uma solução possível. Mas é um problema acrescido para países como o nosso, em que a situação já era à partida má. Mesmo com o governo a assegurar - "sem fazer promessas" - que tomará medidas para impedir que a subida galopante dos custos de produção afete ainda mais os consumidores portugueses, deveríamos aproveitar o momento para fazermos uma reflexão séria sobre as políticas para este setor.
Começando pelas origens da crise global, estas foram bem explicadas pelo comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, no final da reunião do Eurogrupo desta segunda-feira. O preço do gás natural está a subir de forma acentuada, por força de um acréscimo significativo da procura, com origem sobretudo nos mercados asiáticos, associada ao facto de a pandemia de covid-19 ter gerado atrasos na manutenção e na reparação das estruturas, reduzindo a disponibilidade. Como o gás é utilizado pela maior parte dos países na produção de energia elétrica, o aumento do seu preço reflete-se no da eletricidade, diretamente e por via do modelo de formação de preços no mercado europeu.
Outro motivo é o agravamento das taxas das licenças de CO2, que se estima terem contribuído em 20% para a subida de preços. Não excluindo o cenário de virem a ser tomadas medidas temporárias a este nível, acompanho o comissário no alerta de que este facto não deve servir para que se ponha em causa a descarbonização da nossa economia. Nas palavras de Gentiloni, "o Green Deal não é um problema, mas parte da solução". A solução para a sustentabilidade futura das nossas economias e, já agora, para a nossa atual dependência dos combustíveis fósseis.
Entretanto, a França já pediu que se alterem as regras da UE, para que os preços da eletricidade sejam desvinculados dos do gás, passando aquela a depender dos custos de produção em cada país. O argumento é que não faz sentido manter essa interdependência quando a Europa está a fazer a transição para fontes de energia inteiramente renováveis. Outra proposta, feita pela Espanha, consiste na compra conjunta de gás pelos Estados membros.
A Comissão Europeia está a avaliar estas ideias e a contemplar medidas, que serão já refletidas numa "caixa de ferramentas" (guião de ações possíveis) a divulgar em breve e, de forma mais completa, no pacote de iniciativas para o setor energético a apresentar em dezembro. Teremos de nos manter atentos à evolução desta crise, que se espera temporária, sendo certo que existe muita incerteza nesta altura, sobretudo pela aproximação do inverno, que trará um aumento de produção das eólicas e hidroelétricas, mas também mais consumo.
O que não será temporário, se nada for feito - tanto no curto como no médio e no longo prazo -, é o problema energético português. Somos um dos países da Europa onde o preço da eletricidade é mais alto face ao poder de compra. A fatura da energia é um fator de bloqueio ao desenvolvimento e à competitividade das nossas empresas e indústrias. É um fardo para as famílias, e não apenas as mais vulneráveis, com Portugal a registar taxas de pobreza energética que são o dobro das médias europeias. Pessoas que não conseguem aquecer convenientemente as suas casas no inverno nem as arrefecer no verão. E isto não se resolve apenas com tarifas sociais, muito menos com "almofadas" orçamentais. Exigem-se medidas de fundo. Na fiscalidade e nos chamados "custos de interesse económico geral", onde se incluem as rendas de determinadas atividades do setor, mas também através da melhoria da eficiência energética (a começar pelos edifícios), da utilização de novas tecnologias e da adoção de modelos de negócios inovadores neste setor.