Apropósito do Dia Mundial da Água, assinalado a 22 de março, foram divulgados diferentes dados sobre a gestão deste imprescindível recurso natural. O que estes demonstram é que a situação em Portugal não é nada animadora. Resumidamente, cada vez gastamos mais água e esta cada vez é mais escassa, com as previsões sobre os efeitos das alterações climáticas na Península Ibérica a mostrarem que os problemas que temos poderão tornar-se infinitamente mais graves.
Sendo eu natural de Beja, no interior do Alentejo, conheço bem as consequências práticas dos períodos de seca que várias regiões têm vindo a conhecer com cada vez mais frequência. As culturas que se tornam inviáveis, os pastos que têm de ser substituídos por rações cujos custos tornam a atividade pecuária insustentável.
Portugal, ao contrário de países mais a norte onde os índices de precipitação são consideravelmente superiores, e as temperaturas mais baixas, depende fortemente do regadio. O Alentejo e o Algarve - este último com a pressão acrescida da atividade turística - são duas regiões particularmente sensíveis. Mas os recursos são finitos. E a gestão que destes fazemos já deixou há muito de ser sustentável. Precisamos de uma nova estratégia.
Segundo o estudo "O uso da água em Portugal: olhar, compreender e atuar com os protagonistas-chave", apoiado pela Fundação Gulbenkian, 53% dos agricultores portugueses identificam a escassez de água como um problema, percentagem que aumenta substancialmente no Alentejo e no Algarve. Contudo, a grande maioria, 71%, não mede regularmente os consumos que faz, porque não usa sequer contadores. Técnicas mais avançadas de gestão da rega são usadas por uma minoria.
A curto e médio prazo, a escassez de água ameaça a nossa autossuficiência alimentar, compromete o turismo, põe em risco a independência energética, a qual tem assentado muito nas hidroelétricas, e torna-nos mais suscetíveis a fenómenos como os incêndios florestais. É um problema nacional. E deve ser encarado como tal.
Combatê-lo passa sobretudo por melhorarmos radicalmente os níveis de eficácia nos setores responsáveis pela grande fatia do consumo, nomeadamente - mas não só - o agrícola. Para que isso suceda, é preciso promover uma forte consciencialização para a importância dessa gestão criteriosa; e é preciso proporcionar os recursos tecnológicos necessários, investindo na ciência e na inovação.
Recentemente, fui relatora pelo Parlamento Europeu da agenda estratégica para o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, um instrumento do programa-quadro Horizonte Europa que atua em todos os níveis do triângulo do conhecimento - educação, ciência e inovação - através de Comunidades de Conhecimento e Inovação (KIC). Uma das novidades que conseguimos introduzir foi precisamente a criação, já a partir de 2023, de uma KIC dedicada a todos os temas relacionados com a água.
O caminho passa por aproveitar estas oportunidades. Num contexto de forte aposta europeia na transição verde - não apenas através do Horizonte Europa, mas de diferentes iniciativas, incluindo o mecanismo de recuperação e resiliência e os fundos regionais -, teremos ao nosso dispor recursos únicos para começarmos a resolver o nosso problema. Se o fizermos, estaremos a proteger-nos a nós próprios. Afinal - é sempre bom lembrá-lo -, em percentagens que variam em função da idade, a água é uma parte fundamental dos nossos corpos, daquilo que somos.