Imprensa Parcerias europeias aumentam capacidade de investimento das empresas portuguesas

Notícias | 29-10-2021 in Vida Económica

Maria da Graça Carvalho destaca dimensão dos recursos disponíveis em entrevista à Vida Económica.

As parcerias europeias com a indústria preveem um contributo mínimo do setor privado de 10 mil milhões para um investimento total de 20 mil milhões de euros. Considera importante o aumento do investimento privado neste projeto?
O envolvimento do setor privado, pelo menos ao mesmo nível das entidades públicas, é um dos elementos que distinguem estas parcerias de outros modelos de financiamento da investigação científica e da inovação. Em projetos desta dimensão, que mobilizam grandes investimentos, é importante ter escala, e é precisamente isso que se consegue com esta abordagem. Mas o aspeto mais importante, na minha opinião, é o envolvimento direto dos parceiros privados, da indústria, no desenvolvimento de soluções das quais estes próprios precisam ou irão precisar no futuro próximo. Isso reforça as garantias de que teremos sucesso não apenas no desenvolvimento, mas na transferência de tecnologia para a economia.


Este acréscimo de financiamento privado também está previsto em outras vertentes do Horizonte Europa aumentando o volume total de investimento?
A esta escala talvez não. Mas o programa-quadro, de uma forma geral, foi desenhado no sentido de potenciar o espirito colaborativo, envolvendo diferentes atores públicos e privados. Eu própria, na qualidade de relatora pelo Parlamento Europeu destas nove parcerias, mas também da parceria sobre computação de Alto Desempenho, da agenda estratégica de inovação do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia e até na parceria na área da Metrologia, que é uma parceria pública-pública, insisti muito na importância de se poderem estabelecer sinergias. Entre diferentes fundos europeus e nacionais, públicos e privados. Esta nova vaga de inovação na qual estamos a entrar caracteriza-se muito pela natureza global dos projetos. Já não faz sentido falar em projetos de um setor, de uma região ou país. Temos desafios e enfrentamo-los em conjunto.


Entre as nove parcerias previstas quais são as áreas mais interessantes e ao alcance das empresas portuguesas?
Em termos de conhecimento, Portugal tem especialistas com qualidade para integrarem projetos em praticamente todas as áreas. No que respeita às empresas, existem algumas para as quais temos mais capacidade instalada. Mas é importante dizer às empresas portuguesas que não devem deixar de concorrer a parcerias, ou a quaisquer outros projetos europeus, por imaginarem que estão para lá do seu alcance. É verdade que, no passado, algumas iniciativas acabaram por concentrar muitos recursos em algumas grandes empresas, de determinados países. Mas esse foi um dos aspetos que procurámos contrariar neste relatório. Uma parceria não é um projeto, mas um conjunto alargado de projetos orientados para um objetivo comum. Dentro desses projetos, há vários desafios, de maior ou menor dimensão, que podem ser assumidos tanto por grandes empresas como por start-ups inovadoras. E nada nos diz que não será uma pequena empresa portuguesa a desenvolver a solução que fará toda a parceria ter sucesso. Quanto ao interesse, estas áreas respeitam a todos, porque cobrem todos os grandes desafios da atualidade, desde a redução das emissões de CO2, a medicamentos inovadores e uma gestão mais eficaz das nossas matérias-primas e recursos naturais. Sem esquecer a digitalização.


O seu relatório estabelece como objetivo o reforço da participação de pequenas e médias empresas e de start-ups. De que forma se pode materializar?
Como referi, no relatório tivemos uma grande preocupação em potenciar o acesso a estas parcerias. Introduzimos um conjunto de emendas à proposta da Comissão Europeia, assentes em três princípios: agilidade, flexibilidade e atratividade, destinadas a tornar as parcerias mais acessíveis para todas as partes interessadas. Dentro desses princípios insere-se um conjunto de medidas, que vão desde as condições de acesso propriamente ditas, nomeadamente ao nível da carga burocrática e dos encargos administrativos associados à participação nos projetos, a compromissos no sentido de ser aumentada a visibilidade e a atratividade das próprias parcerias, envolvendo diretamente os responsáveis pelas mesmas pela divulgação dos projetos junto de todos os potenciais interessados. A isto somam-se medidas como a possibilidade de candidaturas em consórcios e das sinergias entre diferentes fundos e programas.

O propósito de aumento de soluções inovadoras que chegam ao mercado pressupõe uma maior exigência quanto ao retorno efetivo dos projetos?
Sim, mas essa condição é inerente à natureza destas parcerias. Como referi, em muitos casos, as empresas não serão apenas intervenientes no desenvolvimento das tecnologias desenvolvidas, mas beneficiárias diretas das mesmas. Por isso, têm todo o interesse em desenvolver soluções que chegam ao mercado. O que não nos impediu de introduzir mudanças que potenciem essa transferência de tecnologia. Por outro lado, é importante referir que a chamada ciência fundamental tem um papel muito importante a desempenhar nestes projetos. Não precisamos apenas de desenvolver tecnologias existentes. Para alguns dos desafios que temos pela frente precisamos também de soluções inteiramente novas, e essas vêm da ciência pura, da experimentação. Hoje em dia, o processo que nos leva da ciência fundamental à aplicada é bastante mais rápido. Temos o exemplo das vacinas da COVID-19, baseadas na tecnologia de mRNA, que até há pouco tempo era desenvolvida sem necessariamente existir uma preocupação concreta com as suas aplicações práticas.


Os projetos apoiados pelas parcerias europeias para a indústria devem ser desenvolvidos no mercado europeu ou também podem incidir em outras regiões como o exemplo que aponta da vacinação contra a malária na África Subsariana?
A parceria EDCTP, que agora se chama de Saúde Global, é um caso muito particular. Na verdade, nasceu de uma ideia que começou a ser dinamizada há quase 20 anos por Moçambique e por Portugal, num processo em que também estive envolvida como ministra. O projeto nasceu com o objetivo concreto de promover ensaios clínicos de vacinas e terapias para três doenças concretas: SIDA, malária e tuberculose. A aprovação da vacina da malária pela OMS é um sucesso extraordinário, que demonstra o potencial da colaboração alargada, entre diferentes regiões e continentes. Não existe um paralelo nas outras parcerias. Contudo, todas estas estão abertas à participação de países fora da União Europeia, dentro dos acordos específicos que são estabelecidos com estes no âmbito da participação no Horizonte Europa e noutros programas da UE. Para dar apenas um exemplo, na parceria da Aviação Limpa, é impensável não contar com a participação da britânica.

 

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