Os eurodeputados portugueses manifestam preocupação em relação à forma como o Green Deal e as políticas que lhe estão associadas vão ser financiadas. E receiam possíveis consequências para as políticas comunitárias “tradicionais” — agricultura e coesão –, ou que o pacto não inclua financiamento à altura das ambições e dos desafios climáticos.
A nova Comissão Europeia apresentou na semana passada o Green Deal, que pretende ser a marca de água do seu mandato. Um ambicioso pacto ecológico europeu que prevê um roteiro com 50 ações em todos os setores económicos para promover a transição energética e fazer da Europa o primeiro continente neutro do ponto de vista climático, até 2050. Inclui a criação de um mecanismo que mobilize até 100 mil milhões de euros de fundos públicos e privados para apoiar essas transformações, sobretudo nas regiões mais afetadas pela transição energética.
Bruxelas apresentará em janeiro este Mecanismo para uma Transição Justa que deverá combinar diferentes fontes de financiamento: orçamento da UE, orçamentos nacionais (cofinanciamento), BEI e fundos privados. Incluirá especificamente um fundo a implementar no contexto da política de coesão. Mas a forma como esse fundo será desenhado suscita interrogações e preocupações entre os parlamentares portugueses ouvidos pelo ECO.
O eurodeputado do CDS, Nuno Melo, concorda que a Europa tem que liderar no clima, sublinha a importância de ajudar as regiões a implementar uma transição sustentável, mas considera que “qualquer proposta de financiamento que signifique a redução de fundos das políticas de coesão ou agrícola será em si mesmo contraditória”. “A política de coesão e a PAC são em si determinantes em matéria ambiental e nessa medida não poderão sofrer cortes, com pretexto do Green Deal”. Eventuais cortes, diz o centrista, “significarão o absoluto fracasso do mandato da comissária Elisa Ferreira [que tem a pasta da Coesão] e a demonstração da falta de capacidade do governo português de influenciar as políticas europeias, com graves prejuízos para o país”.
Uma fatia substancial do Green Deal será suportada pelo orçamento europeu, o que faz com que esse financiamento esteja intrincado nas negociações do quadro financeiro comunitário para o período 2021-2027. Maria da Graça Carvalho aplaude as propostas do Green Deal mas receia “o que está nas entrelinhas”. A eurodeputada do PSD lembra que “é preciso bastante investimento da União Europeia, dos Estados-membros e dos privados”. “Tenho algum receio de que não seja simples” alcançar esse objetivo, a começar “pelas negociações do orçamento europeu”.
Na mesma linha, Margarida Marques alerta para a questão do financiamento. A eurodeputada do PS defende que o pacto ecológico deve incluir uma estratégia de crescimento “inclusivo e justo”, “ter ambição”, mas “só pode ser credível se mobilizar os recursos financeiros necessários”. A eurodeputada manifesta ainda preocupação em relação ao fundo para a transição que poderá introduzir uma “diferenciação”, beneficiando sobretudo países cujas economias dependem muito das energias fósseis e da atividade mineira (como a Polónia), em detrimento de outros como Portugal mais avançados na transição e que já fizeram parte do caminho apostando nas renováveis.
Já Francisco Guerreiro, do PAN, revela preocupação com o montante dedicado ao clima no futuro orçamento. Guerreiro espera para ver a tradução do Green Deal em medidas legislativas mas mostra-se “cético” e “preocupado” sobretudo em relação ao financiamento. Nas negociações em curso entre os Estados-membros sobre o próximo quadro financeiro plurianual “só 25% são para medidas climáticas, o que é claramente insuficiente”. O grupo dos Verdes, onde se inclui no Parlamento Europeu, defende 50% do orçamento europeu para as questões climáticas.
Mais crítico é o eurodeputado do PCP João Ferreira. Numa primeira apreciação das propostas, considera o anúncio do Green Deal “uma enorme operação que envolve muita propaganda”. Denuncia as propostas relativas ao comércio de licenças de emissão de CO2, regime que no seu entender permite “poluir” e “é ineficaz”. “Esperava-se uma mudança de abordagem” mas o pacto “insiste” neste comércio, diz Ferreira, e até inclui “o alargamento a mais setores”. Denuncia igualmente opções de “cariz neoliberal” como a “desregulação do comércio internacional”, aponta baterias à aposta “na hegemonia do transporte individual” em detrimento do público e lamenta que o pacto “não assuma a importância estratégica do setor energético”, para o qual defende “o controlo público” dos estados.