Imprensa Empresas portuguesas devem obter mais apoios europeus à inovação

Notícias | 12-02-2021 in Vida Económica

A iniciativa “Alargar a participação”, que Maria da Graça Carvalho introduziu no Horizonte 2020 enquanto relatora principal no Parlamento Europeu, contribuiu para que Portugal fosse, pela primeira vez, um beneficiário líquido do programa. Para voltar a ter um aumento de participação no Horizonte Europa, é preciso que o país tenha a capacidade de “consolidar os ganhos registados no Horizonte 2020”. Ao duplicar os apoios obtidos pelas empresas e universidades em concorrência direta com outros projetos europeus, Portugal revelou capacidade para se tornar mais competitivo através da inovação. Através do Horizonte Europa – programa gerido de forma direta pela Comissão Europeia, sem intervenção dos governos nacionais – as empresas portuguesas têm mais recursos disponíveis e novas oportunidades de incorporar mais inovação nos produtos e serviços que colocam no mercado.

Vida Económica - Considera adequado o orçamento do Programa Horizonte com um aumento dos recursos disponíveis, apesar da perda da contribuição do Reino Unido?
Maria da Graça Carvalho - O Horizonte Europa será o maior programa de investigação científica e inovação do mundo, com um orçamento global de 95,5 mil milhões de euros. Isto corresponde a um aumento de 30% em relação ao Horizonte 2020, se considerarmos as contribuições de 27 países. Se tivessem sido 28 contribuidores, incluindo o Reino Unido, o valor global seria necessariamente superior. O Parlamento, inicialmente, apontou para valores superiores, da ordem dos 120 mil milhões de euros, e era esse o acordo que gostaríamos de ter visto fechado. Claro que percebemos as circunstâncias. Diria que este é o valor estritamente necessário, tendo em conta que todas as grandes prioridades da UE, incluindo as transições verdes e digital, dependem de uma aposta forte na ciência e inovação. O Reino Unido, refira-se, continuará a participar no Horizonte Europa, tal como outros países terceiros, sendo que as suas contribuições irão somar-se a estes valores globais.

VE - Como avalia a participação de Portugal no Horizonte 2020?
MGC - O Horizonte 2020 representou um marco para Portugal, porque o país aumentou significativamente a sua participação, passando pela primeira vez a ser beneficiário líquido. Ou seja: a receber do programa-quadro mais do que injetou no mesmo. E esse passo foi importantíssimo. Muitos dos bons exemplos de dinamismo de novos investigadores e novas empresas na área das tecnologias, de inovação industrial, de transferência de tecnologia das universidades para as empresas, que foram sendo revelados nos últimos anos, são o resultado direto dessa mudança de paradigma.
O grande aumento ficou a dever-se à possibilidade de serem criadas parcerias externas, num programa chamado “Alargar a participação”, que introduzi no Horizonte 2020 quando fui relatora do programa.

VE - Através das orientações que introduziu enquanto relatora principal foi conseguido um maior equilíbrio entre os grandes países e pequenos países?
MGC - Sim. Um dos problemas que geralmente afetavam as instituições de países de menor dimensão eram os custos e a carga burocrática envolvidos na candidatura aos programas europeus. Isso levava a que as grandes universidades, empresas e centros de investigação europeus, com máquinas bem oleadas para ultrapassarem os trâmites das candidaturas e dinheiro para investir nas mesmas, partissem sempre em vantagem. No relatório da agenda estratégica do Horizonte 2020 procurei ajudar a criar condições para que todos pudessem participar, simplificando procedimentos e, através de iniciativas como a “Alargar a participação”, dando mais oportunidades aos países que estavam abaixo da média em termos de participação no programa. Isso acabou por beneficiar países como Portugal.

“Aumentar a participação
seria o ideal”

 

VE - É provável um aumento da participação de Portugal no Horizonte?
MGC - É muito importante, antes de mais nada, que o país seja capaz de consolidar os ganhos registados no Horizonte 2020. Um retrocesso seria muito negativo, até porque o Horizonte Europa será crucial para as transformações societais de que a União Europeia precisa. Não podemos perder esse comboio, como já perdemos outros no passado. Aumentar a participação seria o ideal. Será possível se as diferentes partes interessadas forem capazes de se mobilizar nesse sentido, e se os governos nacionais assumirem o desafio de facilitar essa mobilização, eliminando barreiras burocráticas e alavancando as verbas comunitárias. Há determinadas áreas do programa-quadro nas quais o país pode ainda evoluir muito, nomeadamente nas parcerias europeias, muito ligadas à indústria.

VE - O maior contributo para esse aumento irá ser dado pelas universidades ou pelas empresas?
MGC - As universidades evoluíram muito na sua participação ao longo dos diferentes programas-quadro. As empresas, nomeadamente o setor industrial, ainda estão muito aquém desses desempenhos. Seria desejável que fosse por aí que se desse o grande salto no Horizonte Europa, até porque isso significaria que estaríamos a construir um país mais orientado para uma economia baseada no conhecimento e na inovação.


VE - Tendo em conta que os critérios de análise dos projectos de inovação e I&D são muito seletivos e os níveis de excelência são elevados, tem havido bons projetos no Horizonte 2020 que não podem ser financiados. Em alternativa, seria possível prever menos apoios a fundo perdido e mais incentivos através dos instrumentos financeiros, com envolvimento dos bancos, à semelhança do que tem acontecido em outras áreas, para se conseguir um efeito de alavancagem dos recursos da Comissão Europeia?
MGC - É preciso referir que, mesmo em termos de financiamento comunitário, existem alternativas. No Horizonte 2020 foi introduzido por mim o selo de excelência para projetos com boa avaliação, mas que não conseguiram financiamento. Estes projetos, desde que alinhados com as prioridades definidas, podiam aceder a fundos regionais, sujeitando-se a novos processos de avaliação bastante mais simples mediante a apresentação do selo. Esta alternativa mantém-se no Horizonte Europa. Em relação à hipótese que refere, o Horizonte 2020 contemplava também um instrumento financeiro, o InnovFin MidCap Guarantee, dedicado especificamente a apoiar as empresas inovadoras, através de um sistema de empréstimos parcialmente garantidos pelo Banco Europeu de Investimento. Esse sistema foi aplicado em Portugal através de um acordo celebrado entre o BEI e várias instituições bancarias nacionais, permitindo apoiar muitas pequenas e médias empresas e “mid-caps” portuguesas.

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