Perfil de Maria da Graça Carvalho: "Pode dizer-se que sou uma cientista política"
Por Susana Lage (texto e fotos) em Bruxelas.
Maria da Graça Carvalho é deputada do Parlamento Europeu, integra a Comissão da Indústria, Investigação e Energia e foi recentemente confirmada pelo Grupo do Partido Popular Europeu como Relatora para o programa específico de execução do «Horizonte 2020».
Da formação em engenharia mecânica optou por um rumo mais político mas, ainda hoje, continua ligada à ciência. "Publico dois artigos de política científica por ano muito na área da energia e tento ir a conferências científicas", diz. Por esta razão, "pode dizer-se que sou uma cientista política", constata.
'Filha' do Alentejo, a eurodeputada portuguesa nasceu em Beja no dia 9 de Abril de 1955. Não tem irmãos e da infância "feliz" que teve recorda-se de "brincar livremente, andar de bicicleta, passear nos campos e de ir à espiga e às papoilas". As memórias menos positivas desta altura era o facto de "viver numa cidade onde pouco acontecia" e da biblioteca onde "esgotava os livros" para a sua idade e tinha de esperar por mais.
Em criança, estudou sempre no ensino público, primeiro na Escola do Salvador e na Escola Secundária, ambas em Beja, onde escolheu a vertente das ciências. Quando estava no sétimo ano ganhou um prémio nacional de melhor aluna no valor de "20 contos, imenso dinheiro na altura". Com este dinheiro tirou a carta de condução que "custou 1750 escudos" e comprou um gravador e gira-discos.
Nesta altura já sabia que profissão seguir: "Quero ser engenheira mecânica", lembra-se de dizer aos 14 anos. Sem qualquer influência da família, o gosto cresceu do seu interesse pela matemática e física e por exclusão de partes. Para engenheira civil não podia ir porque era alérgica ao pó. "O meu pai era arquitecto e sempre que ia à obra ficava cheia de borbulhas", diz. E para electrónica também não queria ir porque "tinha muito medo de apanhar choques".
Assim, o seu raciocínio de criança era simples: "Se gosto de física e gosto de fazer coisas tenho de ser engenheira. Como as outras duas hipóteses de engenharia baseadas na física não são viáveis, então a mecânica é a ideal".
Terminado o liceu, foi para o Instituto Superior Técnico (IST) tirar o curso de engenharia mecânica, onde manteve as notas altas com o seu estudo metódico a cada aula. "Sempre fui boa aluna porque sou muito organizada e persistente", afirma.
Entretanto, já no terceiro ano de faculdade, como tinha tirado "muito boas notas" a análise de matemática nos dois primeiros anos, concorreu a monitora e começou a dar aulas. "Deram-me a responsabilidade de duas turmas enormes onde tinha de leccionar teoria e prática de análise de matemática", lembra.
Salto para a política
Quando acabou o curso, telefonaram-lhe do departamento de Engenharia Mecânica a convidá-la para professora assistente."Concorri e fiquei um ano e depois recebi um convite para fazer o doutoramento no Imperial College de Londres", conta. Foi a primeira vez que foi viver fora de Portugal, tinha 24 anos e, apesar de no inicio ter tido dificuldades em adaptar-se, foi uma "experiência interessante tanto do ponto de vista científico como cultural".
Em 1983 voltou para Portugal, onde se vivia "uma altura em que era muito difícil fazer investigação, ter um projecto, havia restrições ao funcionalismo público, burocracia", etc. Ficou em terras lusas durante seis meses até ter surgido uma oportunidade de ir para a Alemanha fazer investigação. "Aqui tive uma experiência completamente diferente pois era uma investigação muito industrial onde aprendi a trabalhar com calendários e prazos rigorosos a cumprir", descreve.
Em 1985, decidiu voltar novamente a Portugal porque o país começou a poder concorrer a projectos europeus e a universidade alemã onde estava, o Imperial College e o departamento do IST ao qual ainda estava ligada submeteram um projecto que foi dos primeiros projecto do Programa-Quadro aprovados antes de Portugal entrar para a União Europeia. "O projecto começou no dia 1 de Janeiro de 1986, exactamente no dia que entrámos para a União Europeia", afirma.
O 'salto' que deu da investigação e do ensino para a política deu-se 'por acaso'. Quando estava no IST trabalhou sempre com o professor Diamantino Durão que tinha sido ministro da educação. "O professor Diamantino Durão conhecia muito bem o meu método de trabalhar, as minhas ideias sobre o ensino superior, a minha visão do sistema científico e quando foi para o Governo convidou-me para ser ministra", conta.
Assim, foi Ministra da Ciência e Ensino Superior no XV Governo Constitucional e, mais tarde, Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior no XVI Governo Constitucional. "Gostei da experiência apesar de não ter sido muito tempo", diz.
Depois desta passagem pelo Ministério, em Abril de 2005 "vim para Bruxelas com o Dr. Durão Barroso", para a Comissão parlamentar, afirma. Em 2009, concorreu ao Parlamento Europeu, onde ficou até hoje.
"O Parlamento Europeu é uma instituição diferente de todas aquelas onde já trabalhei. Aqui, há uma grande liberdade de escolher aquilo que queremos defender porque não é muito forte a linha partidária", partilha.
Três moradas
Maria da Graça Carvalho gosta de andar a pé e chega a percorrer sete quilómetros só de andar de reunião e reunião dentro do Parlamento. Mas desporto mesmo nunca chegou a praticar. "É uma coisa que me arrependo porque acho que é essencial para a saúde e o bem-estar", revela.
"O que eu gosto mesmo de fazer é estudar e achava que o desporto ou a música roubavam-me tempo ao estudo", explica. Agora considera que foi "demasiado focada no estudo" mas também "se não tivesse sido assim se calhar não estava onde estou agora", pondera.
Actualmente tem três moradas, uma em Lisboa, outra em Bruxelas e a terceira em Estrasburgo. À capital portuguesa vai aos fins-de-semana, na cidade belga está a maior parte do tempo e vai para o Parlamento em solo francês durante uma semana todos os meses. "Gosto muito da luz de Lisboa, Bruxelas tem o inconveniente do tempo mas é uma cidade simples de se viver e Estrasburgo, apesar de ser uma cidade bonita, é difícil lá chegar e não tem estruturas suficientes para receber a afluência de pessoas que recebe", descreve.
Não tem muitos tempos livres mas quando pode gosta de passear ao ar livre, de ir ao cinema, de ouvir ópera nos headphones quando viaja e de ler. "Apesar de não ter muito tempo para ler romances, há autores que não perco, gosto muito do Agua lusa e sempre que ele publica um livro novo leio-o. E um livro que li há muito tempo e adorei foi o «Factor Humano» de Gram Green", conta.
Nos projectos para o futuro pretende terminar o mandato (em Julho de 2014) e "nada mais" porque "não gosto de fazer grandes planos", afirma.