Emmanuel Macron subestimou o poder dos eurodeputados quando nomeou uma comissária a braços com uma investigação em França. "Tem de nomear outro comissario", diz ao Expresso Maria da Graça Carvalho, no final da votação que chumbou Sylvie Goulard. A eurodeputada do PSD participou nas audições à francesa e aponta-lhe "razões éticas" e "dificuldades técnicas" que se revelaram inultrapassáveis.
E não foi por falta de aviso. A questão da investigação é falada desde o momento zero em que o nome da ex-eurodeputada surgiu para a nova Comissão. Em causa estão dinheiros do Parlamento Europeu, que terão sido indevidamente usados para pagar assistentes de eurodeputados do MoDem - a que pertencia Goulard - que afinal trabalhariam para o partido francês.
O caso dos alegados empregos fictícios estoirou em 2017, pouco depois de Goulard ter tomado posse como ministra da Defesa de Emmanuel Macron, levando-a a demitir-se de imediato.
Não era boa para ministra, mas é boa para comissária? A questão foi levantada pelos eurodeputados, mas segundo a socialista Maria Manuel Leitão Marques não teve resposta nem justificação credíveis, levando à rejeição do nome. Graça Carvalho também concorda neste ponto.
Aos deputados, a francesa disse que só se demitiria de comissária se fosse "condenada por um julgamento definitivo". Até lá, não consideraria automaticamente uma decisão, mesmo que entretanto a investigação passasse a acusação.
Quando apresentou a sua equipa de comissários, Ursula Von der Leyen chegou a ser questionada pelos jornalistas sobre o caso Goulard, mas preferiu desvalorizar a questão. O argumento usado no início de setembro foi o da "presunção de inocência", mas agora a presidente-eleita da Comissão Europeia vê-se forçada a procurar com Macron um ou uma substituta.
Segundo Leitão Marques, os eurodeputados não puseram em causa a presunção de inocência de Goulard. A questão é que "isso não a impediu de se demitir do lugar de ministra da Defesa quando a investigação foi iniciada", diz a socialista, sublinhado também que "o espaço e a defesa" são áreas que estavam na pasta que lhe foi atribuída e agora retirada.
A votação, que decorreu esta quinta-feira, em Bruxelas, não deixou dúvidas. Apenas 29 eurodeputados apoiaram Goulard, contra 82 que concluíram que "não está apta para o cargo", nem para assumir o pelouro do Mercado Interno. O resultado reflete duas audições mal sucedidas, e respostas escritas que não convenceram.
No entanto, não foram só as questões éticas que tramaram Goulard. Houve também "uma questão de conteúdo", diz Graça Carvalho. A eurodeputada social-democrata aponta "dificuldades técnicas" à candidata francesa, principalmente quando foi questionada sobre digitalização ou multimédia.
O pelouro que a presidente-eleita, Ursula von der Leyen, entregou a Sylvie Goulard era dos mais vastos. Para Leitão Marques, a "extensão" da pasta é, aliás, "demasiado para uma só comissária, por muito experiente que seja". Agora, a alemã poderá ter de repensar a organização e distribuição do conteúdo ou até entregá-la a outro comissário que não o novo nome indicado por França.
Sylvie Goulard é a terceira baixa na equipa original de comissários para os próximos cinco anos. Os dois primeiros a cair foram o húngaro László Trócsányi e a romena Rovana Plumb. Ao contrário de Goulard, nem sequer passaram à fase das audições e foram travados logo na fase de análise das declarações de interesses. Os eurodeputados apontaram-lhes conflitos e concluíram que não tinham condições para ser comissários, independentemente da pasta.
Emmanuel Macron fala em "jogo político". A queda de Goulard fecha um trio: as três maiores famílias tiveram todas um comissário ser chumbado. A francesa tinha o apoio dos Liberais, a romena Rovana Plumb pertente à família socialista e Trócsányi era apoiado pelo Partido Popular Europeu. Os liberais não ajudaram a segurar os primeiros, agora têm também uma baixa. E os restantes grupos políticos tiveram também um papel importante nas várias quedas.
Aos olhos do presidente francês, Goulard esteve sujeita a um jogo político que atinge a Comissão Europeia no seu conjunto", não pondo em causa as suas competências e compromisso europeu.
"Um jogo político é sempre", afirma Leitão Marques, reconhecendo também que "o jogo partidário não esteve ausente dos bastidores". No entanto, garante que "não terá sido esse o fator decisivo" na votação das comissões parlamentares de Mercado Interno e Defesa do Consumidor e na da Indústria, Investigação e Energia.
A duas semanas de o Parlamento Europeu votar a nova Comissão em plenário, falta ainda ouvir o novo comissário indicado por Viktor Orbán e no caso da Roménia não há sequer ainda um nome alternativo. A rejeição de Plumb levou a uma moção de censura ao Governo socialista de Viorica Dăncilă, que caiu precisamente esta quinta-feira.
À indefinição romena, junta-se o novo problema de Emmanuel Macron. O presidente francês não compreende a decisão e espera mais explicações. Mas para Maria Manuel Leitão Marques não há "politicamente outra solução" a uma nova nomeação, "ainda que tal possa atrasar a tomada de posse" do executivo comunitário, marcado para 1 de novembro.
Graça Carvalho admite, também, que possa "haver um atraso de um mês", mas não considera que tal seja "dramático". Em todo caso, acredita que ainda há tempo para resolver tudo até à semana de 23 de outubro.