Bruxelas A poucos meses das eleições fomos olhar para o que fizeram e não fizeram os eurodeputados nacionais em cinco anos
Textos de Daniel do Rosário
A legislatura do Parlamento Europeu (PE), que agora se aproxima do fim, atravessou um dos períodos mais conturbados da história da União Europeia (UE). Chamados a decidir em pé de igualdade com os governos numa série de assuntos, os 766 eurodeputados influenciaram as principais decisões europeias que marcaram este quinquénio: a transformação da zona euro na resposta à crise, a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) e a definição do orçamento da União para o período entre 2014 e 2020.
Nesta multidão parlamentar estiveram presentes 22 portugueses. Alguns assumiram um protagonismo nos debates e nas decisões, conquistando o respeito dos pares europeus e das outras instituições que os tiveram como interlocutores. De outros não se poderá dizer o mesmo. Com uma atividade nem sempre visível e com uma projeção mediática nem sempre correspondente à relevância do trabalho parlamentar, o desempenho coletivo dos eurodeputados portugueses nestes cinco anos está muito longe da imagem de um PE como a 'gaiola dourada', para onde se desterram políticos incómodos ou se premeiam carreiras e favores domésticos. Apesar de essa ser a perceção que muitas vezes prevalece junto da opinião pública (em alguns casos perfeitamente fundamentada). E apesar de não faltarem casos de deputados que tentam compensar essa preguiça parlamentar com um hiperativismo mediático em Portugal.
O Expresso decidiu debruçar-se em detalhe sobre o que fizeram os portugueses. Olhámos para os números e deles damos conta. Porque são relevantes, apesar dos muitos casos de deputados que trabalham para as estatísticas. Mas também ouvimos longamente nove parlamentares de todos os partidos nacionais representados no PE que falaram do seu trabalho, do trabalho dos seus colegas e assim contribuíram para a construção desta avaliação.
Para perceber a limitação da análise quantitativa basta olhar para o fenómeno das perguntas escritas e das "intervenções" em plenário. Ou perceber que um relatório legislativo como o que Capoulas Santos assinou para a reforma da PAC (que demorou dois anos a elaborar, foi alvo de 8000 propostas de alteração e mexe com um orçamento de 362 mil milhões de euros), tem mais peso do que os mais de 40 subscritos por Vital Moreira, que lhe couberam sobretudo na qualidade de presidente de uma comissão parlamentar.
Foi também com base nessas conversas que se identificaram os principais momentos da legislatura, se percebeu quem realmente se destacou e quem pouco mais fez do que figura de corpo presente.
No início do segundo mandato, Miguel Portas explicava ao Expresso que na primeira legislatura (2004-2009) escolheu as áreas de que gostava (cultura) e na segunda as que percebeu serem verdadeiramente importantes (economia e orçamentos). E foi o trabalho nestas comissões que lhe granjeou o respeito dos seus pares, inclusive à direita. Mais do que o currículo político, o tempo em Bruxelas e o trabalho aí efetuado é um critério destacado de forma unânime pelos interlocutores do Expresso, que concordam que duas legislaturas é o ideal para conquistar espaço e poder deixar obra feita. Num trabalho que alia, como poucos outros, a habilidade política aos conhecimentos técnicos. E a que se deve juntar a capacidade para fazer compromissos. Um mundo de diferença em relação à Assembleia da República, diz quem já esteve nos dois sítios. "Aqui começa-se do zero", resumiu um eurodeputado.
De uma maneira geral, foi o PS que teve uma presença mais marcante na legislatura. O segredo foi ter mantido grande parte da equipa anterior. O que permitiu a políticos já batidos nestas lides ascender a posições de destaque. É o caso de Elisa Ferreira, Capoulas Santos e Ana Gomes, escolhidos pelos colegas europeus como "coordenadores" dos respetivos grupos para a economia, agricultura e política externa, respetivamente.
Um cargo "invisível" mas que resulta de uma escolha pessoal e não do peso do respetivo partido, como acontece em relação aos cargos institucionais (que permitiu ao PS deter a presidência de uma comissão ou ao PSD uma vice-presidência do grupo), e que permite influenciar decisivamente as discussões.
Esta foi a mesma razão que de alguma forma prejudicou o PSD, vítima da razia levada a cabo por Ferreira Leite nas listas para 2009. O que fez com que o partido ficasse representado por um grupo de quase desconhecidos nos corredores europeus e não tenha percebido a importância de ter uma presença na comissão dos assuntos económicos. Ainda assim, além de Carlos Coelho, o único sobrevivente em 2009, houve vários sociais-democratas que acabaram por se afirmar (como a estreante Graça Carvalho, que beneficiou da experiência acumulada a assessorar Barroso na Comissão Europeia).
O facto de integrarem delegações mais numerosas permite a alguns deputados destes partidos especializar-se apenas numa área (ou uma região, como é o caso dos eleitos pela Madeira e pelos Açores) e aceder aos relatórios mais importantes. Algo que não está ao alcance do Bloco e do PCP, cujos representantes são obrigados a tocar vários instrumentos ao mesmo tempo. Apesar de atualmente contarem apenas com deputados "novos", ambos beneficiaram da herança e experiência de Miguel Portas e Ilda Figueiredo.
O CDS arrancou a legislatura com dois estreantes. Mas enquanto Diogo Feio soube conquistar o seu espaço na exigente comissão dos assuntos económicos, Nuno Melo fez da presença no PE sobretudo uma plataforma para manter projeção em Portugal.
Uma projeção que guiou igualmente a presença de Rui Tavares em vários momentos. Embora o deputado independente tenha acabado por conquistar o seu lugar no PE devido sobretudo ao papel desempenhado numa discussão sobre a Hungria, um assunto com pouca repercussão em Portugal, mas de grande impacto europeu.
A idade dos porquês
Deputados adoram fazer perguntas para ficar bem nas estatísticas de produtividade. Mas muitas delas são meras repetições. O abuso do instrumento já deu azo a queixas da Comissão Europeia
A apresentação de perguntas escritas à Comissão Europeia, a que o executivo comunitário está obrigado a responder, é um dos vários instrumentos de intervenção parlamentar que os deputados têm à sua disposição. No entanto, esta possibilidade foi usada e abusada por alguns parlamentares portugueses para uma verdadeira guerra de estatísticas, ao ponto de ter levado a uma queixa da Comissão Europeia junto do presidente do PE.
"A Comissão recebeu 312 perguntas virtualmente idênticas de um único deputado, a perguntar acerca das relações da UE com quase todos os países do mundo", lê-se na carta dirigida por Maros Sefcovic, o comissário europeu responsável pelas relações interinstitucionais, a Martin Schulz, o presidente do PE.
A carta não identifica o deputado em causa, mas o Expresso sabe que se trata de Diogo Feio. Acompanhado de muito perto por Nuno Melo, desde janeiro os parlamentares do CDS interpelaram o executivo comunitário 848 e 889 vezes, respetivamente. No que parece ter-se tornado uma competição pessoal, os dois são responsáveis por quase 20% das perguntas submetidas por todo (!) o PE este ano.
Mais do que a resposta, o que parece realmente importante é a quantidade de perguntas. No caso referido por Sefcovic, o estratagema parece ter sido inventado por Feio e copiado por Melo (as perguntas deste são idênticas, mas têm data posterior). A pergunta é igual e apenas é substituído o nome do país (sim, Quiribáti faz parte da lista).
Noutra ocasião, Nuno Melo interpelou a Comissão 27 vezes sobre a variação da taxa de desemprego juvenil entre 2012 e 2013 em todos os países da União, incluindo... Portugal.
Exemplos não faltam. Estão disponíveis online e, passada a perplexidade inicial, garantem algumas gargalhadas. Quem não encontra motivos para rir é Sefcovic que, na missiva referida, alerta para os custos de todo o processo, um aspeto que diz que pode vir a ser "um problema na comunicação social".
Preocupado com os deputados que usam este mecanismo como "uma medida da sua atividade parlamentar" e com as eleições à porta, o comissário eslovaco antecipa "um aumento deste tipo de comportamento", pelo que sugere a Schulz que pondere a possibilidade de "introduzir restrições quantitativas".
Um apelo que caiu em saco roto. Ao que o Expresso apurou, o presidente do PE não deu qualquer seguimento à carta, nem tenciona limitar de alguma forma o que considera um direito dos deputados.
O mesmo acontece em relação às "intervenções" em plenário. A avaliar pelos números de alguns deputados, poderia pensar-se que passam a vida a discursar em plenário. Errado. Na esmagadora maioria dos casos são declarações de voto. Textos que alguns deputados apresentam para deixar clara a sua posição e do seu partido sobre um assunto em que não tiveram tempo de palavra. E que alguns usam de forma incontinente para prevalecer nesta guerra das estatísticas.