Terminou a 30 de junho o mandato de seis meses de Portugal à frente do Conselho da União Europeia, um período que ficou marcado por alguns percalços e algumas conquistas. Desde o início da pandemia que as instituições europeias e alguns responsáveis políticos de alguns dos Estados-membros, como Marcelo Rebelo de Sousa, falam na definição de uma política comum para a saúde. Porém, peritos como o eurodeputado socialista Manuel Pizarro alertam: “O processo de construção de uma verdadeira União Europeia da Saúde evolui de forma muito lenta. As diferenças entre países sobre os critérios de vacinação exemplificam bem a dimensão dos obstáculos que temos pela frente”, diz ao Expresso.
Pizarro refere-se à confusão inicial entre Estados-membros sobre o processo de aquisição de vacinas contra a covid-19, quando as dificuldades de abastecimento levaram a que alguns países ameaçassem avançar com as compras de forma bilateral. “Custa-me que, numa situação tão grave como esta, não tenha sido possível que os Estados-membros se unissem num compromisso para aplicar de modo uniforme as orientações da Agência Europeia do Medicamento [EMA]”, acrescenta ainda. Ainda assim, Maria da Graça Carvalho, eurodeputada pelo PSD, ou João Almeida Lopes, presidente da Apifarma, destacam como positivos os avanços no certificado digital para a covid-19 e para a legislação sobre Avaliação das Tecnologias de Saúde.
“Apesar do enorme impacto da pandemia, não está ainda suficientemente consolidada a determinação de implementar de facto a União Europeia da Saúde”, afirma Manuel Pizarro, eurodeputado do PS
O acordo alcançado entre Conselho da UE, Parlamento Europeu e Comissão Europeia ao fim de três anos de negociação permitiu desbloquear a proposta legislativa, que centraliza a avaliação clínica do potencial de novos medicamentos ou terapêuticas, eliminando a duplicação de etapas e acelerando o processo de decisão. “Este é um passo para permitir que as tecnologias de saúde cheguem a todas as pessoas com doença, de forma mais célere e em equidade, em qualquer parte da Europa”, garante Almeida Lopes. Apesar de alguns passos na direção certa, Pizarro defende que “é essencial, no entanto, que a partir da sociedade civil europeia e de instituições como o Parlamento Europeu, se mantenha a pressão” para dar corpo ao conceito de UE da saúde.
Mas, ao longo dos seis meses do mandato português, o projeto "Mais Saúde, Mais Europa", uma iniciativa do Expresso com apoio da Apifarma, promoveu dois eventos de debate em torno dos principais pilares estratégicos comunitários: resiliência, através do reforço da saúde; justiça social, melhorando a acessibilidade dos doentes; digital, por via da transformação digital do sector; e sustentabilidade, garantindo o respeito pelas regras e objetivos ambientais. Recorde algumas das principais conclusões de cada momento:
MAIS EQUIDADE, MAIS SAÚDE
. Apesar de a União Europeia ajudar a harmonizar as regras e procedimentos em várias áreas da sociedade, a saúde não faz parte desses temas. Porém, uma maior união entre Estados-membros neste sector pode resolver um dos principais problemas do velho continente: as desigualdades no acesso a novos medicamentos, terapêuticas ou novas tecnologias de saúde.
“Investir em investigação aumenta a autonomia e promove o crescimento económico”, garante António Lacerda Sales, secretário de Estado e Adjunto da Saúde
. A criação de um novo programa europeu para a saúde - o EU4Heath, com uma dotação de €5,1 mil milhões -, o aumento de financiamento do Horizonte Europa, a aprovação da Estratégia Farmacêutica para a UE ou do Plano Europeu contra o Cancro são, para Manuel Pizarro, “sinais muito positivos” de que os países estão mais atentos a estes temas.
. A nova legislação sobre ATS permitirá, depois de aprovada, concentrar esforços na eliminação de desigualdades no acesso a tratamentos oncológicos inovadores e mais tarde noutras patologias. Atualmente, as diferenças de acesso entre nações e regiões europeias pode chegar aos 600 dias. Antonella Cardone, responsável da Aliança Europeia de Doentes com Cancro, aproveitou a ocasião para pedir celeridade neste processo, já que “com frequência, um atraso significa uma alteração nas hipóteses de morrer ou sobreviver”.
SALVAR TRÊS MILHÕES DE VIDAS
. Este é o grande objetivo do Plano Europeu de Combate ao Cancro, recordou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, durante o evento Cancro: Cada Dia Conta, em maio. As doenças oncológicas, que são a segunda causa de morte em toda a UE, ocupam agora a lista de prioridades de ação na saúde, não apenas pelo impacto social, mas também pelo forte impacto económico da doença. Rui Medeiros, presidente da Associação Europeia das Ligas contra o Cancro, aponta que os custos diretos e indiretos dos cancros atingem os €100 mil milhões por ano.
“De positivo destacaria o facto de Portugal ter fechado dois dossiês muito importantes: o Certificado Digital covid-19 e a Avaliação das Tecnologias da Saúde”, refere Maria da Graça Carvalho, eurodeputada do PSD
. O especialista diz ainda que “Portugal pode ser exemplar” neste campo, nomeadamente através de um esforço adicional para a erradicação do cancro do colo do útero por duas vias: o reforço da vacinação e “implementação intensa do rastreio” a nível nacional.
. Certo é que desde fevereiro que o Plano Europeu de Combate ao Cancro conta com uma dotação orçamental de €4 mil milhões - garantidos através de vários instrumentos comunitários - que deverá ser aplicada na prevenção, no diagnóstico, no tratamento e na investigação científica.
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