Imprensa Opinião: «Bruxelas-Lisboa em 29 horas ou a ira de um vulcão»

Notícias | 19-04-2010

Como a nuvem de cinzas do vulcão islandês veio revolucionar as comunicações europeias. A história de um grupo de portugueses que se viu forçado a viajar de autocarro devido à falta de alternativas. Vinte e nove horas de viagem de Bruxelas a Lisboa. De autocarro. Num grupo com 41 portugueses. Cansado, mas satisfeito por chegar a casa. A odisseia parecia ser interminável, com direito a histórias de condutores que não conhecem o caminho e que também não sabem interpretar o GPS. Tudo isto por causa de um vulcão que libertou uma enorme quantidade de cinzas que se espalhou pelos céus da Europa.

Vítima de toda esta paralisação generalizada nos aviões que servem o velho continente, vivi o que vários milhões de pessoas tiveram de viver. A indecisão do regresso, a procura incessante de alternativas e o definitivo encontrar de uma solução de quase desespero, em que um dia de viagem sem condições se torna uma bênção. Vi Capoulas Santos e Edite Estrela zarpar da capital belga juntos, de automóvel. Macário Correia contava também com a colaboração dos seus motoristas e regressava ao Algarve da mesma forma. Alberto João Jardim também por lá andava e ainda não percebi como chegou tão depressa a Lisboa. Pedro Nunes, o bastonário das Ordem dos Médicos, tinha menos sorte e ficava mais algum tempo por lá (não havia lugar no nosso autocarro).

Com atraso de duas horas, a comitiva onde eu estava inserido (com estudantes, professores, ex-dirigentes associativos e jornalistas) partiu de Bruxelas para Paris. Cinco horas de viagem, porque os nossos condutores espanhóis tinham dificuldade em encontrar o caminho mais directo. Chegados a Charles de Gaulle, onde encontrámos a segunda equipa de condutores, perdemo-nos por momentos.

A dupla, com um marroquino e um espanhol de Jerez de la Frontera, nunca soube interpretar as indicações do GPS. Perdidos num aeroporto deserto e à procura de um outro português a quem iríamos dar boleia, demorámos pelo menos uma hora para encontrar o caminho em direcção a Bordéus. As áreas de serviço fechavam, não conseguíamos jantar e resignávamo-nos a uma sandes de pão ressequido, bolachas e sumos. A comunicação com os condutores era difícil. O senhor marroquino não aceitava sugestões e quando foi substituído não permitiu que nos ríssemos com as anedotas que íamos partilhando. Queria dormir e nós não podíamos sorrir. Ah, e a casa de banho do autocarro não funcionava.

Espanha e a chegada

Após uma noite de sono possível, pequeno almoço na primeira área de serviço do País Basco. Não há água na casa de banho, mas é preciso continuar, mesmo com uma meia de leite, pão com manteiga e salada de frutas. Próxima paragem: Bilbao. Bem, pelo menos era o que estava previsto. Fomos ter a Vitória, porque o senhor marroquino enganou-se na auto-estrada. Uma história que acabou bem, com troca de piropos sobre futebol, cumprimentos e gargalhadas. Afinal eram bons rapazes, só não sabiam ler o GPS.

A definitiva equipa de condutores que nos iria levar até Lisboa, e que levou um novo autocarro, demorou a encontrar-nos. Mais profissional, guiou-nos pelas estradas espanholas até Palencia, onde tivemos a melhor refeição. Sopa de marisco quentinha, paella, «postres» e «vino rosé». Um luxo nestas condições. Um sítio belo (ou talvez não). 24 horas depois de termos partido de Bruxelas, ainda estávamos tão longe de Lisboa. Muitos do que viajavam na comitiva são do Porto, outros dos Açores e até de países estrangeiros, pelo que as ligações estavam comprometidas. É decidida uma paragem técnica em Aveiro (mais fácil a ligação ferroviária para o Porto), onde nos dividimos. Na memória uma viagem que poderia muito bem ter acontecido há décadas, quando não havia aviões para todo o lado e com grande frequência e as rotas alternativas por estrada eram um suplício. Na Europa da vanguarda, dos projectos únicos e das ligações facilitadas, de repente tudo ficou demasiadamente complicado e sem solução.

Complicações que nos obrigam a reflexões sérias sobre as alternativas que devem ser criadas para as pessoas circularem com maior felicidade. Sejam habitantes de Bruxelas, Paris, Berlim ou da Guarda.

 

Crónica da viagem de retorno a Portugal desde Bruxelas do editor do TVI24.pt Filipe Caetano, que foi visitar o Parlamento Europeu junto com mais 42 pessoas, a convite da eurpodeputada Maria da Graça Carvalho. Ver notícia.

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