Imprensa O Governo e a Ciência: Novos critérios a aposta de sempre (Página 1)

Notícias | 24-01-2014

Nuno Crato na AR

Governo garante que aposta na ciência continua, mas com novos critérios

O ministro da Ciência foi confrontado com as críticas da oposição, que acusa a tutela de cortes abruptos nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento.

O ministro da Educação, Ensino Superior e Ciência garante que o Governo não desinvestiu na ciência, houve antes uma reprogramação do financiamento.

No Parlamento, onde foi confrontado com as críticas de oposição sobre os cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, Nuno Crato explicou que agora as verbas vão, de preferência, para projectos e não para bolseiros individuais. "Há um mito que é preciso refutar: o Governo não desinvestiu na ciência" e "continua a apostar na investigação avançada", garantiu, recordando a abertura, em 2013, de "um concurso de projectos de menor dimensão".

Crato lembrou que "a Fundação para a Ciência e Tecnologia apoia actualmente mais de 12 mil investigadores em Portugal" e que existe um novo programa internacional.

Mas as palavras do ministro não convenceram a oposição: a deputada do PCP Rita Rato lembrou o corte de 82 milhões de euros na ciência e o bloquista Luís Fazenda classificou a política governamental de "cientificídio".

"O senhor ministro pode fazer as piruetas que quiser, mas a verdade é que é responsável pelo desemprego de cinco mil investigadores", acusou Rita Rato.

Não falta dinheiro mas sim explicações

A antiga ministra do Ensino Superior Maria da Graça Carvalho (PSD) considera que a alteração de financiamento das bolsas foi mal explicada e reconhece a preocupação da comunidade científica portuguesa. Mas garante que não vai haver corte nos programas científicos.

"Isto foi imediatamente recebido com algum pânico e muita preocupação e, como não foi devidamente explicada, antes de a notícia ter saído, antes dos resultados das bolsas, houve uma grande preocupação da comunidade científica ao pensar que isto correspondia a um corte drástico do financiamento em geral, o que não é", afirma a eurodeputada do PSD à Renascença.

"Há que informar a comunidade científica dos próximos programas para este ano, porque há financiamento para os programas que possam absorver estes jovens, para que eles não comecem já a preparar a sua ida para o estrangeiro", acrescenta.

Maria da Graça Carvalho explica que a opção do Governo foi, a partir de 2013, "dar prioridade" a bolsas incluídas em programas doutorais e projectos de investigação, limitados a determinadas áreas científicas, com primazia para as tecnológicas, em detrimento das bolsas individuais de doutoramento e pósdoutoramento.

A eurodeputada defende que "o financiamento não diminuiu", apenas foi redistribuído, para ser "gerido de forma diferente".

"A nova geração de cientistas pode ser gravemente prejudicada"

Pedro Rios

António Costa Pinto é presença frequente em jornais, rádios e televisões, graças às suas análises políticas. O politólogo, professor do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, critica o "corte abrupto" nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento.

Nas ciências sociais e humanas, o risco de "ruptura" é ainda maior. Com o historiador Diogo Ramada Curto e Manuel Sobrinho Simões, director do IPATIMUP, escreveu uma carta aberta ao ministro da Ciência. "O frágil e muito promissor edifício da investigação científica construído em Portugal nas últimas décadas está em risco", escrevem.

Renascença - É um dos autores de uma carta aberta ao ministro da Ciência. O que vos levou a escrever a Nuno Crato?

António Costa Pinto - Três preocupações. A primeira é que o esforço que Portugal fez nos últimos anos em termos de ciência, que representa muitíssimo pouco da despesa pública e que produziu um desenvolvimento muito significativo do aparelho científico, poderá ser desfeito em dois ou três anos. É essa a nossa segunda preocupação: em países como Portugal, a ausência de um esforço continuado, o carácter errático das políticas públicas e as mudanças súbitas podem, em muito pouco tempo, destruir o que demorou 15 ou 20 anos a desenvolver. A terceira é que num ambiente como aquele que Portugal vive, no qual o único elemento de fundos para o desenvolvimento provém do próximo exercício dos fundo estruturais da União Europeia, perante a natural avidez dos diversos sectores e grupos de interesse, a ciência seja a grande prejudicada - mesmo que represente muitíssimo pouco, quase uma poeira, desses fundos.

Renascença - O Governo argumenta que está a mudar o paradigma na forma de financiamento da ciência. Não faz sentido repensar um modelo muito dependente destas bolsas?

ACP - Faz todo o sentido repensar o modelo, diminuindo o número de doutoramentos, aumentando a qualidade, que é o que já está a ser feito, pensando sobretudo no desenvolvimento científico e profissional daqueles que já obtiveram esses graus e que, em muitos casos, estão em plena emigração. Faz todo o sentido repensar o sistema. O que não faz sentido algum é diminuir de uma forma brutal os fundos para a investigação sem dar uma alternativa.

Renascença - No ICS, já nota o desinvestimento na ciência que denuncia na carta aberta?

ACP - No ICS, como em muitos outros centros de investigação científica, esses efeitos já se sentem. Os fundos que são distribuídos para as instituições diminuíram significativamente. Já perdemos sete investigadores devido ao carácter precário [das bolsas], às fortes diminuições salariais e às condições para a investigação científica. Quanto melhor e mais moderna a instituição, maior foi o sacrifício nos últimos dois anos e maiores serão as perdas nos próximos anos.

Renascença - O que explica isso?

A ideia de que as instituições mais avançadas não necessitam de tanto financiamento?

ACP - Não há dúvida nenhuma que o sistema precisa de um processo de avaliação que vá premiando os melhores e obrigando os piores à dissolução ou a um apoio fortemente condicionado, mas não há dúvida que, infelizmente, nos últimos dois anos, quem sofre mais é quem é melhor, quem tem melhores investigadores, melhor produção, aqueles que se internacionalizaram mais.

Renascença - Na carta alertam para o risco de ser "varrida" uma geração entre os 30 e os 40 anos. Bastam um ou dois anos em que se perdem cientistas para hipotecar o futuro?

ACP - O mais preocupante neste corte abrupto nas bolsas de doutoramento e, sobretudo, de pós-doutoramento é o eliminar da investigação científica de uma geração que representa o seu melhor - uma geração bem mais internacionalizada, muito mais de acordo com as práticas modernas, muito melhor do que aquela que está ao abrigo e com posições estáveis que vêm do passado. Isto em termos médios, porque o que nos interessa não é termos dois ou três génios erráticos, mas uma massa crítica. E isso precisa de números, de equipas. Esta geração pode ser gravemente prejudicada.

Renascença - Defende que a transição para o novo "paradigma" não pode acontecer da noite para o dia.

ACP - O que detectamos, como cientistas políticos, ao analisar a prática de um governo em qualquer sector, é o caracter errático das reformas, muitas vezes com consequências altamente negativas. A minha palavra é: reformas sim, mas num quadro de uma política sustentada para um determinado sector, evitando provocar rupturas no sistema.

Renascença - Num outro texto, Diogo Ramada Curto invocou um verdadeiro "Inverno da investigação" nas humanidades e ciências sociais. Concorda?

ACP - A sociedade portuguesa tem que ter uma ideia de que a investigação científica representa uma parte minúscula do investimento público e que, dentro dela, as ciências sociais e humanas representam uma parte ainda mais ínfima. E aqui o impacto ainda é mais devastador porque vem interromper um ciclo de modernização que estava em curso. Nas ciências sociais esta ruptura ainda é mais significativa porque têm por definição menos recurso a fundos privados das grandes organizações internacionais e das instituições de apoio à investigação científica.

Renascença - E das empresas. O ministro da Economia disse que "boa parte da investigação é financiada por dinheiros públicos e não chega à economia real". E disse não ser possível "alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real". Como entende estas palavras?

ACP - Se pudesse, Pires de Lima teria todos os fundos estruturais no seu ministério, visto que é o único elemento de que Portugal dispõe para investimento público nos próximos anos. A frase sobre a zona de "conforto" deriva pura e simplesmente da ignorância mais crassa sobre a investigação científica em Portugal. O que tem até acontecido em Portugal é uma grande disfuncionalidade entre a grande capacidade de inovação tecnológica produzida pela ciência e algumas dimensões do nosso sector exportador, que tinha uma cultura, até há pouco tempo, muito mais próxima da mão-de-obra barata e da inexistência de incorporação tecnológica e de mão-de-obra qualificada. DR

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