Maria da Graça Carvalho Ex-ministra da Ciência em governos do PSD
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Maria da Graça Carvalho, ex-ministra da Ciência nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes, foi relatora do Parlamento Europeu para o programa específico Horizonte 2020, o novo quadro financeiro de apoio à ciência e tecnologia da UE para os próximos sete anos. A eurodeputada do PSP defende que o novo modelo de financiamento da ciência em Portugal "está certo, mas foi aplicado na altura errada, porque estamos em crise e há muito desemprego qualificado". Mas as perspetivas abertas pelo Horizonte 2020 são boas: a deputada diz que Portugal pode ir buscar ao programa 200 milhões de euros por ano, que permitirão contratar 10.000 cientistas.
- Concorda com o novo modelo de financiamento da ciência aplicado pelo Governo, que reduz as bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)?
- Há uma mudança de critérios em relação ao modelo dos últimos anos, porque a atribuição de bolsas vai ser feita mais através de programas doutorais nas universidades e de projetos de investigação financiados pela FCT. É mais interessante porque um bolseiro estará a trabalhar em equipa num projeto e não individualmente, apenas acompanhado por um supervisor. O novo modelo está certo, mas foi aplicado na altura errada e de forma errada.
- Porquê?
- Porque Portugal está em crise e as bolsas atribuídas através de projetos de investigação vão demorar mais tempo a concretizar-se, já que o concurso ainda não abriu, ao contrário dos outros dois. Por outro lado, a FCT não explicou aos concorrentes, antes de saírem os resultados dos concursos, que estava a atribuir apenas uma pequena parte dos lugares disponíveis. Numa altura em que há tanto desemprego qualificado, a mudança do modelo de financiamento devia ser gradual e não brusca, ou seja, deviam ser atribuídas mais bolsas de investigação diretas.
- Mas há restrições orçamentais?
- As mudanças não se devem a uma crise orçamental, porque o orçamento da FCT só teve uma pequena redução. Em todo o caso, numa altura de crise pode não haver dinheiro para mais nada, mas tem de haver dinheiro para as bolsas. E não estamos a falar de muito. Quando fui ministra da Ciência (de 2003 a 2005) eram atribuídas por ano 1500 bolsas de doutoramento e 500 de pós-doutoramento que custavam 25 milhões de euros, o que não é muito num orçamento da FCT que é hoje superior a 400 milhões de euros por ano.
- Isso significa que criar emprego científico através das bolsas é barato para o Estado?
- É o modelo mais barato para dar emprego a doutorados e pós-doutorados que não pertencem ao quadro das instituições, porque através dos programas doutorais há despesas adicionais das universidades na sua organização. E através dos projetos das instituições de investigação ainda é mais caro, por causa dos equipamentos e dos consumíveis, embora com vantagens para o trabalho e a formação dos bolseiros.
- A entrada em vigor, a 1 de janeiro, do Horizonte 2020 pode melhorar as perspetivas de emprego científico em Portugal?
- A minha expectativa é que podemos ir buscar ao orçamento comunitário 200 milhões de euros por ano para a ciência, o que deverá envolver a contratação de 10 mil cientistas (20% do total), a maior parte de fora das instituições de investigação.
- Mas em 2013 Portugal só foi buscar 111 milhões de euros e ainda é um contribuinte líquido para a ciência europeia, porque esse valor corresponde a um retorno de 95%.
- É verdade, só a partir dos 115 milhões é que deixamos de ser contribuintes líquidos, mas há várias mudanças muito positivas para Portugal no Horizonte 2020. Primeiro, tem um orçamento global de 79 mil milhões de euros para os próximos sete anos, quando o programa anterior (o FP7) tinha um orçamento de 52 mil milhões. Depois é muito mais simples e o modelo de financiamento é mais favorável a Portugal, porque não exige uma comparticipação nacional de 50% nos projetos, paga todas as despesas, tem um overhead (financiamento extra para custos gerais dos projetos de investigação) de 25% e o IVA de 23% passa a ser reembolsado.
- E quanto à criação de emprego?
- No programa-quadro anterior, o financiamento do pessoal podia ser justificado pelas horas de trabalho permanentes dos cientistas, o que significava que a maior parte dos centros de investigação não contratava pessoas de fora. No Horizonte 2020 isso não é possível, o financiamento só pode ser justificado com horas de trabalho de pessoal adicional, contratado fora. Ou seja, há um modelo desenhado para contratar cientistas fora dos quadros das instituições de investigação.
- Com tantas vantagens adicionais a nível da UE, Portugal pode reduzir o investimento nacional na ciência?
- De modo nenhum. O apoio europeu é altamente competitivo e tem de haver a nível nacional uma base estável de financiamento para as instituições de investigação que concorrerem. Está provado que quem vai buscar mais dinheiro à UE é quem tem uma base nacional mais estável, forte e sustentável, que é importante para pensar e inovar na ciência. O Horizonte 2020 pode ser muito bom para Portugal, mas não é um substituto direto do financiamento nacional.