Qualificações. O acesso aos fundos comunitários permitiu a Portugal aumentar radicalmente o número de pessoas altamente qualificadas, com os doutoramentos a passarem de duas centenas por ano para mais de 1600. As universidades modernizaram-se e passaram a produzir conhecimento científico. Falta o passo seguinte: conseguir que as empresas aproveitem o que já se faz de inovador
Notícia de Pedro Sousa Tavares
Mesmo partindo de um nível muito baixo, o ritmo de crescimento da população qualificada e da produção de conhecimento tem sido a todos os níveis impressionante nas últimas décadas. Um facto para o qual contribuíram, de forma decisiva, os fundos provenientes da União Europeia (UE). Falta, no entanto, dar um passo numa área em que Portugal continua deficitário e até a perder terreno para outros países europeus, nomeadamente do Leste: o aproveitamento pelas empresas das pessoas e das ideias que estão a sair das universidades e institutos politécnicos do País.
Entre 1986 e 2010, o total de alunos do País manteve-se em cerca de 1,9 milhões, com a quebra da natalidade a anular a maior proporção de estudantes matriculados. Mas o perfil destes alunos alterou-se por completo, com o peso dos inscritos no ensino superior a crescer de 5% para 16%. Em 1986, realizaram-se 216 doutoramentos em Portugal.
Em 2010, esse número tinha-se multiplicado por 8,6, atingindo os 1666. Um ritmo mais de duas vezes superior ao da UE. Também a produção científica nacional cresceu mais rapidamente do que a dos restantes parceiros (187%). Mas estes dados tardam em refletir-se na competitividade das empresas portuguesas. Em 2009, segundo um estudo publicado pelo Ministério da Educação e Ciência, havia em Portugal um total de 19 876 doutorados mas, destes, apenas 2427 trabalhavam para o sector privado na área da investigação e desenvolvimento (I&D). Uma das médias mais baixas da UE, que o atual Governo pretende combater através de incentivos fiscais.
A materialização das ideias em produtos também evoluiu a um ritmo lento: As patentes internacionais registadas por portugueses representam apenas 13% da média comunitária. "Há sem dúvida um retorno [da presença na União Europeia], diz ao DN Eurico Neves, presidente da Inovamais, uma empresa especializada na transferência de conhecimento entre instituições do ensino superior e o sector empresarial. "Sem os fundos comunitários, não se teria alcançado 10% do que se fez." No entanto, acrescenta, a evolução não foi de forma sustentada: "O investimento no conhecimento foi muito grande, mas não houve uma aposta na transferência desse conhecimento para a indústria."
As universidades têm-se assumido como viveiros das empresas que mais apostam nos doutorados e na produção de tecnologia com interesse comercial. Das start- up na área da saúde, como a Biosurfit ou a Cell2be, passando pelos brinquedos inteligentes da Science4you, há boas ideias a serem concretizadas graças à aposta do País na valorização da sua massa cinzenta. "Mas os casos que conhecemos são as exceções", defende Eurico Neves.
Ex-ministra defende leis e fisco mais favorável
Maria da Graça Carvalho, eurodeputada e ex-ministra da Ciência, considera que grande parte do que foi conseguido em Portugal ao nível da qualificação e produção de conhecimento - "dos doutoramentos às infraestruturas para o ensino superior e ao equipamento científico" - ficou a dever- se aos fundos comunitários.
"Não se pode dizer que tenham sido mal aproveitados", diz ao DN. Porém, avisa que para que "pessoas e ideias" cheguem a um sector empresarial, "de certo modo débil", são precisas medidas claras, desde "um regime fiscal favorável às empresas" a um mercado "a funcionar, com leis de trabalho mais justas e flexíveis".
O próximo quadro comunitário de apoio, que vai vigorar entre 2014 e 2020, vai crescer 30%, para 72 mil milhões de euros. E a eurodeputada social-democrata, relatora do Programa Horizon 20/20, de apoio à investigação, defende que há muitas oportunidades para instituições e empresas nacionais.
Exemplo disso são os apoios a projetos na área do mar ou das florestas, de interesse estratégico para Portugal, propostos pela própria Graça Carvalho. Porque a utilização do conhecimento "é um problema europeu, ainda que mais acentuado em Portugal", há também incentivos às empresas, como o projeto Liderança Industrial, para PME inovadoras. P.S.T.