Há alguns meses, quando a quase totalidade do território nacional estava em situação de seca severa ou extrema, escrevi aqui sobre a falta de visão estratégica para a escassez de água no nosso país. Na altura o tema estava na agenda mediática, mas, como também então antecipei, o regresso da chuva devolveu o nível das barragens a valores razoáveis e varreu o assunto para o esquecimento. Em vez disso, as chuvadas de dezembro trouxeram novas (e legítimas) preocupações sobre a capacidade de escoamento de diversas zonas, nomeadamente urbanas, face às cheias.
Mas o problema da falta de água não desapareceu, por mais que as atuais cotas das barragens sugiram o contrário. A tendência, como o demonstram inúmeros estudos e projeções, será de agravamento no futuro, em especial no sul do país.
Pior: aqui ao lado, temos um vizinho com problemas semelhantes, cujo novo Plano Hidrológico da Bacia do Tejo deverá acentuar a tendência para cortar os volumes de água transferidos para o nosso país. Chegou a ser noticiado um possível corte de 40% a partir de 2027, valor que o governo português já veio negar, embora sem apresentar outros números ou projeções. O que sabemos, com uma boa dose de segurança, é que a situação do caudal do principal rio nacional irá degradar-se no futuro.
Perante este cenário, na semana passada, o ministro do Ambiente e da Ação Climática foi à Assembleia da República falar da estratégia do governo para a água. Falou sobretudo de barragens. Mas também de centrais de dessalinização. Confirmando o projeto para uma central no Alentejo, aparentemente dedicada apenas à utilização para a agricultura, e o aumento da capacidade da prometida central do Algarve.
Estas, sim, eram notícias que pareciam apontar na direção certa. Porque a dessalinização é uma alternativa clara, num país com a nossa linha costeira, e até a nossa capacidade e conhecimentos científicos em temas relacionados com o mar. Porque a valorização dos recursos hídricos e marinhos é uma componente importante do Pacto Ecológico Europeu. E porque projetos desta ordem são elegíveis para diversos programas e linhas de financiamento comunitários.
Mas o ministro logo se encarregou de baixar as expectativas. "A instalação deste tipo de equipamentos", afirmou, "estará sempre longe de copiar a solução espanhola, que já tem instaladas cerca de 700 centrais dessalinizadoras. Para nós serão apenas respostas muito concretas e pontuais".
Não está em causa passarmos de imediato para a massificação desta tecnologia. Até porque, como o próprio grupo parlamentar do PSD lembrou, num projeto de resolução recentemente entregue na Assembleia da República, a produção de água por esta via, embora com "muitas vantagens", também pode trazer custos acrescidos, tanto de produção como sobre o consumidor final, não dispensando "processos de decisão, planeamento e participação pública feitos com competência e transparência".
As próprias recomendações europeias sobre a dessalinização vão no sentido de haver uma criteriosa avaliação dos projetos, até pelos elevados custos associados em termos de consumo de eletricidade.
Mas nada disto equivale a dizer que o uso do enorme potencial da dessalinização deve ser reduzido a casos pontuais e muito específicos. Pelo contrário: temos de começar a trabalhar já, de forma sistemática e consistente, para que possamos dispor desta tecnologia quando, inevitavelmente, desta viermos a precisar em maior escala. Contemplando a nossa capacidade instalada ao nível das energias renováveis, que pode ajudar a baixar a fatura energética. E trabalhando com as nossas autarquias, universidades, centros de investigação e empresas. No fundo, replicando o que os nossos vizinhos espanhóis vêm fazendo desde a década de 1960.
O que não podemos fazer, mas infelizmente parece ser a nossa atual política para a água, é agir a conta-gotas, em função das circunstâncias do momento, e ignorando olimpicamente os sinais de alerta que se vão recebendo.
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