Imprensa Redescobrir Sá Carneiro

Artigos de Opinião | 05-12-2020 in Diário de Notícias

Quarenta anos depois da sua morte, no fatídico acidente de Camarate, Francisco Sá Carneiro continua bem presente na memória coletiva dos portugueses. Julgo que será justo dizer que, mesmo entre os que não partilhavam da sua visão, e até entre alguns que foram seus assumidos adversários, é recordado como um político com carisma, capaz de construir consensos à sua volta e que projetava uma imagem de seriedade e espírito de missão.

Não tenho tanta certeza de que essa estima, até admiração pela sua personagem, seja sempre acompanhada pelo conhecimento de quem foi de facto este homem e do papel que desempenhou na construção da nossa democracia.

Quando pensam em Sá Carneiro, muitos recordam o líder político que emergiu após o 25 de Abril. O homem que, apenas quatro anos decorridos de um período revolucionário em que o país se chegou a inclinar no sentido de uma nova ditadura, mas de extrema-esquerda, conseguiu a proeza de vencer as eleições e se tornar primeiro-ministro à frente de uma coligação de centro-direita. Mas talvez muitos não saibam que o seu percurso de democrata e de homem livre começou muito antes disso.

 

Esse percurso começou na juventude, aderindo às ideias da social-democracia, dinamizando iniciativas de debate e reflexão cívica, nomeadamente através da cooperativa Confronto, do Porto, da qual foi um dos fundadores. E tornou-se absolutamente inequívoco quando, entre 1969 e 1973, como deputado à Assembleia Nacional, demonstrou enorme coragem pessoal e política, tentando reformar por dentro o regime do Estado Novo e conduzir Portugal à democracia.

Saberá a generalidade dos portugueses que, vários anos antes da revolução de 1974, houve quem se batesse, em plena Assembleia Nacional, pela eleição por sufrágio universal do Presidente da República, a libertação dos presos políticos e a adoção de uma Constituição inspirada nas democracias da Europa Ocidental?

À frente da chamada Ala Liberal, ao lado de outros jovens políticos que mais tarde o viriam a acompanhar na fundação do PPD-PSD, como Mota Amaral, Magalhães Mota e Francisco Balsemão, Sá Carneiro não somou muitas vitórias. De resto, a crescente frustração com a rejeição e hostilidade com que as suas propostas eram recebidas pela restante câmara levaram-no mesmo a abandonar o cargo de deputado. Mas naqueles anos ficou clara a ideia que tinha, não apenas para o partido que viria a criar mas para o país.

No Instituto Sá Carneiro, entre as várias iniciativas que temos em curso para assinalar os 40 anos da morte do fundador do PPD-PSD, conta-se a republicação integral dos seus discursos e textos políticos. E o primeiro livro de um total de sete, que acaba de ser editado, chama-se precisamente Sá Carneiro e a Ala Liberal, acompanhando as suas intervenções e os seus pensamentos ao longo desses cinco anos. Lê-lo é compreender melhor um período muito importante mas pouco estudado da história de Portugal.

Recomendo a leitura desta obra a todos, desde os que com ele coexistiram às novas gerações, que queiram saber melhor quem foi o político e o homem Sá Carneiro. Julgo que todos encontrarão alguma coisa que os surpreenderá, não apenas sobre o que este pensava mas também sobre a enorme atualidade e pertinência que muitas das suas reflexões continuam a ter nos nossos dias.
Preservar o legado de Francisco Sá Carneiro é uma das grandes missões do Instituto que herdou o seu nome, e do qual tive em julho deste ano a honra de ter sido eleita presidente. Mas não queremos fazê-lo com uma perspetiva museológica, de mero depósito da sua memória, mas como uma entidade tão viva e dinâmica como o seu próprio pensamento continua a ser.

Ao longo dos anos, o Instituto Francisco Sá Carneiro tem-se orgulhado de ser uma fonte de ideias para o país, promovendo debates e grupos de reflexão dos quais resultam propostas, várias delas publicadas em livro, para os desafios concretos dos nossos tempos. Tem sido uma escola de novas gerações de políticos, dentro do ideal da social-democracia, através de iniciativas como a Universidade de Verão e as academias dirigidas às mulheres e ao poder local.

Neste período de confinamento, com os constrangimentos que deste resultam, procuráramos manter vivo o debate de ideias, através de iniciativas como as Sá Carneiro Talks, por onde já passaram figuras da social-democracia como Durão Barroso, Carlos Moedas e Paulo Rangel. E não nos esquecemos de honrar a memória de Sá Carneiro, quer pela referida reedição dos seus textos políticos, quer através de uma exposição com algumas das imagens e vídeos mais marcantes do seu percurso político que pode ser visitada online.

Para o futuro, a nossa maior ambição é expandir os horizontes do Instituto. Queremos fazê-lo internacionalmente - e é nesse sentido que se justifica a recente admissão no Martens Center, think tank político do Partido Popular Europeu, e a parceria com o Instituto Konstantin Karamanlis; e queremos fazê-lo alargando as nossas atividades a todas as regiões do país. Com esse objetivo, temos em curso um processo de criação de núcleos locais, intitulados de "focal points". Francisco Sá Carneiro já não está entre nós. Mas a sua obra perdura.

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