Um dos riscos de abordar os problemas com uma visão unidirecional, por mais bem-intencionada que esta possa parecer, é fomentar atritos em vez do diálogo construtivo, e ignorar os factos em benefício das convicções que queremos vincar. Vem esta reflexão a propósito de Seaspiracy - Pesca Insustentável, que se estreou no mês passado, e tem alimentado acesos debates na imprensa e nas redes sociais.
O documentário aborda temas importantes, como a redução de stocks e de biodiversidade, as capturas descartadas, os danos colaterais causados pela pesca industrial de arrasto e o lixo produzido pelo abandono ou a perda no mar das redes e outras artes de pesca. Mas "vende" a ideia de que essas questões são varridas para debaixo do tapete por governos e até organizações dedicadas à proteção dos oceanos, oferecendo por isso uma única e mágica "solução": temos todos de parar de comer peixe, seja este proveniente de capturas ou da aquicultura.
O primeiro problema deste género de sentença é a sua impraticabilidade. Os setores das pescas e da aquicultura, de acordo com os últimos dados oficiais da União Europeia, são responsáveis por mais de 150 mil empregos a tempo inteiro na Europa, aos quais se devem ainda somar muitos postos de trabalho na indústria transformadora e outras atividades conexas. Sem esquecer o papel fundamental do peixe e de outros produtos do mar na alimentação das populações, em particular nos países do sul, como é o caso de Portugal.
O segundo problema, porventura mais grave, e decorrente da falta de rigor científico com que muitas vezes estes documentários-panfleto são produzidos, é precisamente incutir na opinião pública a ideia de que deve desconfiar dos legisladores, de todas as autoridades públicas nacionais e internacionais. E que, por isso, as únicas ações válidas e com impacto são as tomadas a título individual.
Longe de mim querer desvalorizar o papel transformador que os comportamentos individuais podem ter, nomeadamente no que respeita às questões de sustentabilidade ambiental. Mas quem pretender passar a ideia de que isso será o suficiente, que não serão também necessárias medidas políticas, envolvendo todas as partes interessadas, criando compromissos, recorrendo ao conhecimento científico, apostando na inovação, nunca passará de um vendedor de ilusões. Os cidadãos devem esperar - aliás: exigir - que os seus representantes criem soluções.
Há pouco mais de uma década, a União Europeia deparava-se com um problema de sobre-exploração da maioria dos seus recursos pesqueiros. Desde então tem sido feito um esforço muito significativo de regulamentação desta atividade o qual incluiu, por exemplo, a proibição da pesca de arrasto a mais de 800 metros de profundidade, e a maior limitação das quotas nas capturas de diferentes espécies. Em 2019, de acordo com dados da Comissão, quase todas as descargas de recursos geridos exclusivamente pela União Europeia eram de stocks com níveis sustentáveis.
A isto somam-se muitas outras medidas, como os projetos para o aproveitamento alimentar de recursos marinhos subaproveitados, como o plâncton e as algas, ou as discussões sobre o lixo decorrente das atividades pesqueiras e a obrigatoriedade de descarga de todas as capturas, as quais estão precisamente a acontecer nesta fase.
Recentemente, no Parlamento Europeu, fui eleita vice-presidente da Comissão das Pescas (PECH). O meu compromisso é que tudo farei para, com base nas evidências científicas, na opinião dos especialistas e na vontade expressa dos cidadãos europeus, ajudar a proteger os nossos recursos marinhos e a sua sustentabilidade futura, mas também as pessoas que destes dependem.