Imprensa Portugal inovador, para francês ver

Artigos de Opinião | 28-06-2023 in Diário de Notícias

Nesta quarta-feira o primeiro-ministro António Costa estará em Paris para um encontro de alto nível com a sua homóloga francesa, Elisabeth Borne, dedicado aos temas da Ciência, Inovação e Ensino. Ou seja: os três vértices do chamado triângulo do conhecimento. Parece-me muito bem que o faça, bem como que aproveite para reforçar a cooperação entre os dois países nestes campos. Mas ficaria ainda mais satisfeita se o primeiro-ministro e o governo aproveitassem esta ocasião para fazerem uma reflexão séria sobre a prestação sofrível que continuamos a ter num destes itens: a inovação.

A capacidade de inovação de um país sempre foi um dos indicadores mais importantes. Mas hoje, num mundo em acelerada transformação, com cada vez maior concorrência entre diferentes blocos regionais, e perante desafios como o combate às alterações climáticas e a digitalização da economia, adquiriu um carácter absolutamente decisivo.

Mas Portugal continua a marcar o passo, como revela o último Ranking Europeu de Inovação, da Comissão Europeia, divulgado em setembro do ano passado, no qual ocupamos atualmente a 17.ª posição entre os 27 Estados-Membros. Estamos no conjunto dos países "moderadamente inovadores", com uma percentagem de 87.7% (sendo 100 a média europeia), e revelando mesmo algum decréscimo face a versões anteriores deste ranking, nomeadamente no capítulo do investimento das empresas em inovação, um dos nossos calcanhares de Aquiles.

Mais precisamente nas despesas empresariais em inovação por cada pessoa ao serviço, indicador em que somamos apenas 26,5% da média da UE (com uma acentuada descida de 29,1% face a 2021; e na percentagem de PME que inovam de forma colaborativa, que se fixa nos 50,1% da média. Também em quebra face a rankings anteriores.

O primeiro-ministro estará em Paris para, compreensivelmente, abordar temas nos quais Portugal tem registado bons desempenhos ou, pelo menos, tem boas perspetivas, tais como as transições energética e digital e os oceanos. Mas, internamente, deveria refletir sobre os motivos que levam a que grande parte das empresas nacionais, nomeadamente as pequenas e médias empresas, continuem a ter tantas dificuldades para, nos seus respetivos setores, aproveitarem os ganhos de capacidade que o país tem registado em termos de produção de conhecimento.

Já o disse várias vezes: Portugal tem vindo a fazer um enorme esforço, ao longo das ultimas décadas, para recuperar do atraso que tinha ao nível das qualificações da população. Tem também investido mais, ainda que de forma insuficiente, na investigação científica, e até nos incentivos à inovação. Registámos um salto significativo no número de doutorados, e formamos hoje especialistas de diferentes áreas cujas capacidades são reconhecidas em todo o mundo. Temos instituições do ensino superior e de investigação de reconhecida qualidade. Mas o que chega à economia real continua a ser muito pouco.

Os motivos para isso não são nenhum mistério, e também os tenho apontado em inúmeras ocasiões: não temos um verdadeiro ecossistema favorável à inovação. É essa falha que nos impede de aproveitar a bolsa de conhecimento que nos custou tanto a desenvolver. E é devido à mesma que os incentivos disponíveis ficam muitas vezes por utilizar, ou são mal aproveitados. Temos inúmeras barreiras, da carga fiscal à burocracia, que não só não incentivam como desaconselham os riscos calculados que são necessários para inovar. Para dar o salto em frente.

E não se contraria essa tendência com encontros bilaterais nos quais se exultam as próprias virtudes. Contraria-se olhando para países como a Irlanda, a Dinamarca, a Finlândia, a Suécia e a Bélgica, vários dos quais partiram de situações piores do que a nossa, para perceber como passar do ponto em que nos encontramos para uma economia inovadora.

 

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