Na passada sexta-feira, em Roma, os primeiros ministros português, italiano, grego e espanhol discutiram as suas preocupações com a evolução dos preços da energia. O chefe do governo de Portugal saiu deste encontro convicto da força das "posições comuns" alcançadas, prometendo levar este elã à reunião do Conselho Europeu que decorre em Bruxelas nos próximos dias. Falou da necessidade de se protegerem as empresas e as famílias, de se preservar a "coesão social", e chegou mesmo a invocar a boa resposta à pandemia de Covid-19, nomeadamente na questão das vacinas, para ilustrar a necessidade de haver "unidade" entre os Estados-membros na busca de respostas de "curto prazo" à alta dos preços.
Este posicionamento seria absolutamente inatacável, e mesmo louvável, não fosse o pormenor de o governo português, no plano interno, nada de substancial ter feito para responder à crise energética cuja urgência o primeiro-ministro tão justamente sublinhou. Muito menos para aproximar a realidade portuguesa dos outros países europeus aos quais nos propomos agora ir exigir "unidade".
Concordando com a posição que o governo irá defender em Bruxelas, não posso deixar de me perguntar que argumentos terá este para responder a quem o questionar sobre a sua própria ação. Ou antes inação. Portugal, e bem, defende a compra conjunta do gás, para impedir o inflacionamento artificial dos preços. Portugal, e bem, defende o fim da "contaminação do preço da eletricidade pela explosão do preço do gás". Mas a verdade é que, no primeiro semestre de 2021, muito antes dessa explosão, já Portugal ocupava o terceiro lugar da UE na tabela dos preços mais elevados cobrados pelo gás natural para uso doméstico.
A verdade é que o país que se irá apresentar em Bruxelas para pedir medidas em defesa dos cidadãos é o terceiro ao nível da União Europeia, apenas ultrapassado por Alemanha e Dinamarca, onde o peso das taxas e impostos é mais elevado na fatura final de eletricidade paga pelos consumidores domésticos. Nada menos de 46,5%, de acordo com dados divulgados no ano passado pela Entidade Reguladora do Setor Energético.
A verdade é que Portugal está entre os dez países da União Europeia onde o preço dos combustíveis é mais elevado. Não por culpa das gasolineiras, apesar de estas serem o primeiro alvo da ira dos consumidores a cada aumento de preços, mas precisamente devido a uma carga fiscal que inflaciona de forma desproporcional esses valores. Convém ter presente este dado, que talvez não seja de conhecimento geral: se não contássemos os impostos cobrados pelos diferentes países, os nossos combustíveis seriam mais baratos do que a média da UE.
A verdade, finalmente, é que "a questão central da energia", que o primeiro-ministro tão bem identifica como prioridade absoluta para que a União Europeia seja capaz de responder às consequências económicas da guerra na Ucrânia, já era uma questão portuguesa muito antes de ser uma questão europeia. A competitividade das nossas empresas e da nossa indústria, a segurança energética dos nossos cidadãos, sem esquecer o próprio poder de compra e os salários, já eram fortemente condicionados pelo peso da energia nos custos de contexto dos negócios e nos orçamentos das famílias.
E a este problema, que é nosso e de mais ninguém, o governo nunca respondeu. E seguramente não está a responder agora, com "autovouchers" e outras medidas que nem sequer atingem o objetivo anunciado de "garantir a neutralidade fiscal da escalada dos preços", quanto mais proporcionar um alívio palpável dos efeitos na economia e na vida das pessoas. A coragem que o primeiro-ministro irá agora exigir a Bruxelas ainda não apareceu em Lisboa.