Numa semana em que os termómetros prometem registar temperaturas recordistas em vários pontos do país, o tema da água (ou da falta desta) voltou à ordem do dia. Após a divulgação de um estudo na Nature GeoScience, traçando um cenário negro de seca para a Península Ibérica, a pior dos últimos 1500 anos, a Agência Portuguesa do Ambiente veio intensificar o sentimento de urgência, com o seu presidente a assumir os problemas de um setor agrícola nacional que depende em 75% do regadio, e cujas taxas de desperdício, por força do uso de sistemas obsoletos, muitos deles datando de meados do século passado, chegam aos 35%.
É muito importante que se façam estas reflexões e que se tenha uma ideia clara do ponto em que nos encontramos. Contudo, receio que esta tomada de consciência, tal como a presente vaga de calor, seja "sol de pouca dura", não se traduzindo em ações urgentes para resolver os problemas.
A ciência, especificamente o referido estudo da Nature Geoscience, demonstra-nos claramente que temos de agir. Explica-nos que os níveis de precipitação na Península Ibérica são fortemente influenciados pela ação do Anticiclone dos Açores. E que ao longo dos últimos anos, com cada vez maior frequência, este tem desviado as nuvens e a chuva para o Norte da Europa. Por muito sucesso que tenhamos na nossa luta contra as alterações climáticas, é certo que as coisas irão piorar antes de melhorarem. É certo que teremos de nos preparar para viver com menos precipitação. E isso exige planeamento e a implementação de soluções inovadoras que não estão a acontecer, ou estão a acontecer muito lentamente.
Recentemente, na Conferência sobre o Oceano das Nações Unidas, ouvimos o ministro do Ambiente anunciar para setembro a apresentação de um conjunto de estratégias para fazer face à escassez de água, recorrendo aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência. Ouvimos falar de novas barragens e até de desvios de caudais de rios. Mas estas iniciativas, com de resto referiu agora o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, não resolvem o problema de fundo. São apenas medidas de mitigação, de redistribuição de um recurso. Não aumentam a sua disponibilidade nem garantem uma gestão mais sustentável.
Ao mesmo tempo, continuam a ser raras, e aplicadas com grande lentidão, outras estratégias que deveriam estar no topo das prioridades, como a reutilização e tratamento de águas residuais (hoje, aproveitada para pouco mais do que irrigar alguns campos de golfe no Algarve) e a dessalinização de água do mar para fins agrícolas e de consumo humano.
Roça o incompreensível que um país como Portugal, com uma excecional linha de costa envolvendo a maior parte do seu território, ainda não tenha encarado a dessalinização em larga escala como uma solução viável. A tecnologia já existe. Temos os recursos, a capacidade científica existe nas nossas universidades e centros de investigação, e não nos faltam potenciais parceiros para dar escala a projetos neste setor.
A Espanha, com a qual partilhamos os mesmos desafios, está já décadas à nossa frente a este nível. E outros países, cujo ponto de partida era bastante mais desafiante do que a nossa situação atual, já demonstraram que esta é uma aposta vencedora. Israel, há uns anos atrás, assegurava 80% da agua para consumo humano através da dessalinização, e apontava para os 100% a curto prazo. Entretanto, tinha já conseguido, a partir de um terreno árido, transformar-se numa potência agrícola. É altura de agirmos.
No atual programa-quadro Horizonte Europa, fui relatora da agenda estratégica do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, conseguindo ver aprovada a criação de uma Comunidade de Investigação e Inovação dedicada à água. Portugal, por todos os motivos, deveria estar na linha da frente dos países candidatos a acolherem a sede desta entidade.