A questão do acerto do valor das pensões de reforma com oito meses de atraso, longe de ser uma situação excecional, é sintomática de um modus operandi que tem caracterizado o governo desde há largos meses. Perante as evidências, reage-se tarde e/ou de forma insuficiente, para depois se vir anunciar como uma grande medida política aquilo que se deveria ter feito logo no início.
Nesta terça-feira, o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Sousa Pereira, disse a um jornal que as universidades irão exigir ao governo 60 milhões de euros adicionais, para fazer face a uma situação que ameaça deixar várias instituições sem condições para assegurarem o pagamento de salários até ao final do ano.
Em causa estão, nas suas palavras, a "fantasiosa" projeção de menos de 3% de aumento da inflação, durante a preparação do atual Orçamento do Estado (o ano de 2022 fechou com um aumento de 7,8%), o insuficiente reforço de verbas em 25 milhões de euros anunciado no final do ano, muito aquém do aumento de custos, nomeadamente com a energia, mas também o facto de não ter sido atribuído qualquer valor adicional para acomodar o anunciado aumento geral dos funcionários públicos, com retroativos a janeiro.
Ou seja: não se trata apenas de fazer cálculos completamente irrealistas sobre a taxa da inflação, o que já seria suficientemente grave. Por vezes, o governo não parece acautelar sequer as implicações das suas próprias decisões políticas.
Os oito meses de demora para compensar devidamente as perdas de poder de compra dos pensionistas foram graves, por estar em causa uma das franjas mais sensíveis da população e porque as justificações anteriormente utilizadas, da necessidade de assegurar a sustentabilidade futura da Segurança Social, parecem magicamente ter deixado de ser motivo de preocupação. E a demora em compensar o impacto real da inflação sobre as instituições do ensino superior é grave, porque demonstra desrespeito por um setor que vem há vários anos contribuindo para dotar o país da geração mais qualificada de sempre.
Quem acompanha os meus artigos sabe que defendo a necessidade de uma reforma de toda a arquitetura legal em torno das instituições do ensino superior, que lhes permita melhorar a oferta educativa, adaptando-a aos desafios do mundo atual, captar novos públicos e tornar mais atrativas as condições de carreira de professores e investigadores. Quem leu os diferentes documentos produzidos pelo PSD sobre esta matéria, nomeadamente as recomendações do Conselho Estratégico Nacional e o programa de governo do partido, sabe que defendemos uma aposta no financiamento competitivo das instituições, valorizando a excelência e a capacidade de inovação.
Mas o governo PS, tal como também foi referido pelo presidente do CRUP, continua, quase dez anos após a saída da troika do nosso país, a não cumprir sequer a fórmula de financiamento público do setor no que respeita às instituições que mais crescem em número de alunos e mais evoluem na dimensão e nível de qualificações dos seus quadros docentes.
Houve quem considerasse a miríade de medidas anunciadas pelo governo nos últimos dias, desde o aumento das pensões à subida intercalar dos salários da função pública, passando pela promessa de progressiva redução do IRS até 2027, como uma espécie de arranque oficioso da campanha eleitoral para as próximas legislativas. A mim pareceu-me o que efetivamente foi: um ensaio tardio de resposta a problemas que há muito saltavam à vista de todos. Fazer pouco e a más horas não é grande cartão de visita para uma campanha eleitoral.
A questão que fica é: que confiança podem ter as pessoas e as instituições num governo de maioria absoluta, ao qual circunstâncias externas à sua ação proporcionaram excedentes orçamentais e receitas fiscais recordistas, que se revela incapaz sequer de fazer a gestão corrente do país, quanto mais de assegurar os investimentos e as reformas necessárias para garantir verdadeiro crescimento no futuro?