As efemérides, como o Dia Internacional da Mulher que hoje se assinala, têm uma única (mas importante) virtude, que é colocarem na ordem do dia temas que não estão necessariamente no topo da agenda mediática, além de nos obrigarem a fazer uma reflexão sobre o ano que passou.
Pertencendo eu à Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Género, no Parlamento Europeu, vejo neste último ano uma grande conquista, que foi a aprovação, ao fim de uma década de impasse, da diretiva sobre a participação das Mulheres nos Conselhos de Administração das sociedades cotadas (mais conhecida por Women on Boards), através da qual, pela primeira vez, se estabeleceram metas vinculativas à escala europeia, com consequências para os incumpridores, sobre as percentagens de administradoras executivas e não-executivas das empresas.
Tive a honra de integrar, em nome do Partido Popular Europeu, a equipa que negociou este diploma com o Conselho Europeu, e cheguei ao final do processo com a sensação, porventura otimista, de que se fez História. Podemos discutir se os resultados alcançados poderiam ter sido ainda melhores - pessoalmente, claro que preferiria ter visto inscritos como referência os 50% de cada género, em vez dos 40% que acabámos por aprovar (ou 33% considerando administradores executivos).
Mas esta diretiva vale mais do que os números que contém. É um claro sinal de que a discriminação com base no género é inaceitável na Europa. E isso vale para as empresas, como vale para a política e para todos os setores onde as mulheres estão sub-representadas. Por exemplo, na economia digital, tema que também abordei num relatório que produzi nesta legislatura do Parlamento Europeu.
É importante que não existam dúvidas de que é de discriminação que de facto falamos. O tempo das justificações misóginas, como a suposta maior aptidão dos homens para determinadas funções, já lá vai, graças ao exemplo das mulheres que, da política às novas tecnologias, têm conseguido desbravar caminho e impor-se pela excelência do seu trabalho. O "lugar" das mulheres é onde estas quiserem estar.
Muito menos merece crédito o argumento - invocado por alguns dos que se opuseram à diretiva Women on Boards - da meritocracia. Nada tenho contra meritocracia. Antes pelo contrário: sou-lhe inteiramente favorável. E é precisamente por isso que temos de eliminar a discriminação. Numa sociedade meritocrática, representando as mulheres 60% dos novos diplomados do Ensino Superior na UE, e metade de toda a força laboral, não representariam apenas 8,5% dos presidentes dos conselhos de administração, nem estariam tão sub-representadas nos cargos de liderança política e académica, nem continuariam a enfrentar barreiras, muitas delas culturais, para se afirmarem em setores tão cruciais nos nossos tempos como a economia digital e a energia.
Nem todas estas barreiras são conscientes. Por vezes, as próprias mulheres, mesmo tendo vocação para certas áreas, acabam por desistir por sentirem estar a tentar entrar no que se chama na gíria de "gentlemen club". Em muitos setores continua a faltar massa crítica no feminino. E por isso é que é tão importante a existência de modelos para os quais possam olhar. Recentemente, passei a integrar o conselho consultivo de uma iniciativa intitulada Mulheres na Energia, promovido pela Associação Portuguesa de Energia, cujo objetivo é precisamente valorizar e incentivar a participação das mulheres num dos setores mais cruciais dos nossos tempos e para o nosso futuro.
A sub-representação em diversos setores é má para as mulheres, individualmente e no seu conjunto, porque tira-lhes voz e poder de decisão. Mas é igualmente má para os homens e para a sociedade em geral. O talento é um bem demasiado raro para que o possamos continuar a desperdiçar desta forma.
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