Não! Trocar um compromisso escrito por uma espécie de acordo de cavalheiros, cheio de incógnitas e selado com um aperto de mão à margem de uma reunião do Conselho, nunca pode ser considerado uma boa notícia. Ainda para mais quando uma das partes já se notabilizou no passado por desprezar entendimentos. E é precisamente esse o ponto em que nos encontramos: a incerteza total. Sobretudo no que respeita a Portugal.
Sabemos que França, Espanha e Portugal concordaram em rasgar o anterior acordo sobre a interligação do gás através dos Pirenéus, comprometendo-se a avançar com uma ligação alternativa, por via marítima, entre Barcelona e Marselha. Sabemos também que os três países pretendem criar entre si um “corredor verde” para potenciar o futuro transporte de hidrogénio e de outros gases verdes, fazendo também transporte de gás natural enquanto este continuar a ser utilizado como energia de transição. Sabemos ainda – mas isso já sabíamos antes – que Portugal irá construir uma terceira ligação de gás a Espanha, ligando Celorico da Beira a Zamora.
Não sabemos, porque ainda nada foi dito a esse respeito, de que forma será assegurada a participação de Portugal, através do seu terminal de gás natural liquefeito (GNL), em Sines, nesta rede ibérica que fará a importação de gás e a sua redistribuição para o centro da Europa. Não temos quaisquer garantias, até porque aparentemente nenhuma foi ainda negociada, de que Sines não sairá penalizado face aos terminais de GNL espanhóis, em especial o de Barcelona, que estará agora diretamente ligado à nova interligação BarMar.
Não sabemos como, quando e com que meios será construído e financiado este “corredor verde” para o hidrogénio. Aliás, este corredor só será “verde” quando todo o seu percurso estiver adaptado ao transporte do hidrogénio. Sou professora catedrática, precisamente na área da Energia, e por isso sei o que está em causa. Nomeadamente a grande complexidade técnica envolvida neste processo. Há toda uma infraestrutura – em Portugal, em Espanha e em toda a Europa – que terá de ser transformada - ou mesmo, em muitos casos, construída de raiz - de forma a poder transportar hidrogénio.
Finalmente, não sabemos o que irá acontecer a duas interligações elétricas, também previstas para os Pirenéus, e para as quais já existia financiamento europeu assegurado. O primeiro-ministro já veio negar que estas estejam em causa, mas o que diz o comunicado, divulgado na sequência do referido acordo, é que França, Espanha e Portugal irão “estudar alternativas” para as ligações elétricas pelo que, até prova em contrário, está em cima da mesa a possibilidade de também se abandonarem esses projetos.
Resumindo, ninguém se opõe à aposta na energia verde. Antes pelo contrário: o PSD tem-na defendido empenhadamente, tanto em Portugal como na Europa. Ninguém se opõe, seguramente, a que sejam encontradas soluções para acabar com o isolamento da Península Ibérica em relação ao resto da Europa no que respeita ao gás. Mas uma coisa são intenções e outra, muito diferente, compromissos. Um acordo não se rasga a troco de promessas vagas.
Artigo de Opinião de Maria da Graça Carvalho publicado frente-a-frente com outro artigo de opinião da autoria de Pedro Sampaio Nunes no jornal 'Expresso'