Na semana passada fez-se história em Estrasburgo. Com o acordo alcançado nas negociações interinstitucionais entre o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu: ultrapassou-se o derradeiro grande obstáculo à entrada em vigor da Diretiva Women on Boards, sobre a participação das mulheres nos conselhos de administração das sociedades cotadas em bolsa. Foi o fim de uma batalha que durou uma década, na qual a objeção de um conjunto reduzido de países serviu de força de bloqueio.
Em causa está a obrigatoriedade de que pelo menos 40% dos administradores não-executivos destas sociedades, ou 33% do total do conselho de administração, pertençam ao género mais sub-representado. Em geral, as mulheres. Mas, mais do que isso, está em causa o passar de uma mensagem, com caráter vinculativo, cujo alcance se estende a todas as outras áreas de atividade, incluindo a política: não basta proclamar a igualdade de oportunidades. É obrigatório aplicá-la na prática.
A diretiva contempla possíveis penalizações, a serem adotadas pelos estados-membros, que podem ir de simples multas até à nulidade de decisões tomadas pelas empresas infratoras. Ao mesmo tempo, existirá também uma lista pública para dar a conhecer as empresas com desempenho excecionalmente positivo em matéria de igualdade de género nas suas administrações.
Os objetivos agora estabelecidos terão de ser atingidos num horizonte temporal definido: até 30 de junho de 2026. A diretiva expira oficialmente em 2038, o que não significa que não possa ser revisitada - inclusivamente antes desse prazo - para rever ou enfatizar os objetivos.
Refira-se que os princípios inerentes a esta diretiva já estavam vertidos, por iniciativa dos próprios, em leis nacionais de 18 estados-membros, entre os quais Portugal. O esforço desses países tem sido decisivo para o aumento da participação das mulheres, que hoje representam cerca de 30% das administrações das principais empresas cotadas a nível europeu. Ao nível dos cargos executivos a realidade é bastante pior, ficando-se pelos 8%. Portugal está nos 14% a este nível.
O consenso agora alcançado, não apenas entre estados-membros, como entre diferentes grupos políticos, o qual pude constar na qualidade de relatora-sombra desta diretiva pela Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros (FEMM), é particularmente relevante. Sobretudo quando se consideram os argumentos que no passado foram sendo utilizados para criticar este passo. Entre estes a teoria, sem sentido, de que estabelecer percentagens obrigatórias poria em causa o princípio da meritocracia.
Basta concentrarmo-nos nos factos. As mulheres já representam cerca de metade da força laboral. As mulheres, na generalidade dos países da UE, estão a ultrapassar os homens em termos de habilitações literárias médias. Não existe qualquer estudo - antes pelo contrário - que as aponte como líderes menos eficientes. O que justifica, então, o facto de estas apenas ocuparem 30% dos lugares nas administrações e uns míseros 8% dos lugares de CEO nas principais empresas europeias? Meritocracia? Ou serão antes os resquícios de conceções arcaicas sobre o papel de cada um dos géneros?
O tempo desses preconceitos e estereótipos está a chegar ao fim. E a boa notícia é que isso será positivo para toda a sociedade e não exclusivamente para as mulheres. Porque, seja nas empresas, seja na política, seja em qualquer outro setor da sociedade, o que serve o bem comum é ter as pessoas mais competentes e mais bem preparadas nas funções de liderança. E apenas se identificam os melhores quando todos têm as mesmas oportunidades de demonstrarem o seu valor. Até agora, objetivamente, isso ainda não aconteceu.