Na história recente da humanidade têm havido várias ondas de inovação. A primeira, que se prolongou por um período relativamente extenso, a partir da segunda metade do século XVIII, foi a Revolução Industrial. As seguintes foram bastante mais rápidas.
Tivemos uma era, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, em que a inovação surgiu da cooperação em larga escala, envolvendo grandes laboratórios do Estado, com forte impulso dos governos nacionais. Seguiu-se a ascensão do digital, das pequenas start-ups capazes de rapidamente se transformarem em unicórnios, e que hoje constituem algumas das maiores empresas do mundo. E estaremos já a entrar numa nova onda, em que os processos deixaram de ser tão lineares como no passado.
O ciclo habitual de investigação científica, desenvolvimento e entrada nos mercados começa a dar origem a uma realidade mais difusa. Uma realidade em que a investigação dita fundamental já se confunde com o desenvolvimento tecnológico. E em que a forma como se inova deixou de ser local ou regional, passando a ser global. A inovação já não existe per si, confundindo-se cada vez mais com objetivos concretos e com as várias áreas nas quais é aplicada. Não apenas no digital, mas na indústria, agricultura, energia, construção, pescas ou saúde.
Ao mesmo tempo, passámos também a contar com tecnologias inteiramente novas, tais como a biologia sintética, os materiais avançados, a robótica fotónica, a computação quântica e a inteligência artificial.
Temos vários exemplos desta dinâmica. Podemos referir as vacinas da COVID-19 com tecnologia mRNA, em que há um claro salto da ciência fundamental para a ciência aplicada, num período de tempo que seria inimaginável no passado recente. Mas também a vacina contra a malária recentemente aprovada pela OMS, desenvolvida muito graças à participação da iniciativa EDCTP, agora Saúde Global, uma de várias parcerias que figuram no novo programa-quadro Horizonte Europa, e das quais fui relatora pelo Parlamento Europeu. A par de outras que visam, entre outros objetivos, desenvolver o avião do futuro, com emissões muito reduzidas de CO2, ou energias limpas e acessíveis.
Neste novo ciclo de inovação muita coisa ainda está a ser definida. Mas há uma certeza: os países que terão sucesso serão aqueles que tenham competências com abundância, sobretudo nestas novas áreas. E um ecossistema horizontal favorável à inovação.
Portugal fez ao longo das últimas décadas um esforço apreciável de reforço das qualificações da sua população. Temos mais diplomados, temos incomparavelmente mais doutorados. Não se trata de uma batalha ganha porque, se melhorámos, outros também o fizeram, e as necessidades a este nível são cada vez maiores. No entanto, este já não é o nosso principal problema. O que agora mais nos deve preocupar é o fraco benefício que as nossas empresas, a nossa indústria, retiram destes recursos humanos. E o principal motivo é precisamente a inexistência desse ecossistema de inovação.
A nossa fiscalidade, a nossa burocracia, o funcionamento da nossa justiça, são barreiras à inovação. E enquanto não as removermos estaremos sempre um ou vários passos atrás dos outros. O governo português até reforçou os incentivos à absorção de doutorados pelas empresas. Não funcionou. Tal como será débil o aproveitamento que faremos dos fundos comunitários, da "bazuca", do Horizonte Europa, se não atuarmos sobre as causas da nossa estagnação. Investir sem criar condições para o crescimento é como despejar água sobre uma estrada de alcatrão e esperar que esta ali se concentre e proporcione terra fértil.
Como disse Albert Einstein, "insanidade é continuar a fazer as coisas da mesma forma esperando resultados diferentes". No caso de Portugal, essa é uma "insanidade" que nos tem saído muito cara. Para crescer, o país tem de virar a página.