Portugal, que serviu de anfitrião à ambiciosa cimeira de 2018, foi deixado à margem numa decisão bipartida entre franceses e espanhóis.
Em julho de 2018, numa cimeira em Lisboa, o presidente francês, Emmanuel Macron, e os primeiros-ministros português e espanhol, António Costa e Pedro Sánchez, comprometeram-se a avançar com projetos comuns na área do gás natural, sublinhando “a importância das interligações de gás na região, tanto para fins regionais como enquanto contributo chave para a segurança do abastecimento do mercado europeu”.
Alcançou-se assim um importante entendimento político, num processo que tinha conhecido altos e baixos no que ao gás natural dizia respeito, desde o acordo tripartido entre os três países na área do setor energético, assinado em 2015, na altura com Pedro Passos Coelho à frente do governo português.
Contudo, em outubro do ano passado, ficámos a saber que as iniciativas que davam corpo a este compromisso – o projeto STEP, nos Pirenéus, e a terceira interligação de gás a partir de Portugal – tinham desaparecido subitamente na 4.ª Lista de Projetos de Interesse Comum (PCI) da Comissão Europeia.
Pior do que esta notícia, só mesmo a explicação da mesma, avançada já em janeiro, após dois meses de quase absoluto silêncio das autoridades portuguesas sobre esta matéria. Afinal, segundo a imprensa portuguesa, que citou “fontes da Comissão Europeia”, França e Espanha tomaram a decisão entre si. Tendo estes países concordado que o gasoduto dos Pirenéus deveria ser excluído da referida lista, e uma vez que a terceira ligação de gás natural a partir de Portugal dependia desse projeto, terá sido simplesmente “acordado” eliminar ambos.
Ou seja: Portugal, que serviu de anfitrião à ambiciosa cimeira de 2018, e que se comprometeu, via Rede Elétrica Nacional (REN), a assumir 173 milhões do total de cerca de 500 milhões de euros em que o projeto estava orçamentado, foi aparentemente deixado à margem numa decisão bipartida tomada por franceses e espanhóis.
Depois de tanto termos ouvido falar de Portugal como novo interface para o abastecimento da Europa, do hub estratégico de Sines, da alternativa que se ia criar aos gasodutos do Leste Europeu, gostaria de saber que o Governo Português se tinha batido empenhadamente contra esta mudança de ideias dos seus dois aliados históricos.
Contudo, tendo em conta a bucólica reação que foi tornada pública, com o Ministério do Ambiente a reiterar que “o governo não desiste de Portugal ser uma das principais ‘portas de entrada’ do gás natural para a Europa”, a sensação que fica é que, efetivamente, o País foi um mero peão sacrificado num jogo de xadrez entre duas potências.
Poderá argumentar-se, com razão, que Espanha e França – a decisão terá partido sobretudo desta última – têm toda a legitimidade para decidirem a que projetos alocam o seu investimento público. Poderá mesmo lembrar-se o facto, não negligenciável, de estarem em cima da mesa outras parcerias importantes entre os três países, nomeadamente ao nível das redes elétricas. Mas nada disto apaga o sentimento de menorização do país que fica após este incidente. Nem a necessidade de ser esclarecido o papel desempenhado pelo governo português nesta matéria.
Nesta segunda-feira, numa pergunta escrita subscrita por todos os seus eurodeputados, a delegação do PSD no Parlamento Europeu pediu à Comissão Europeia esclarecimentos urgentes sobre esta alteração aos projetos estratégicos.
O atual governo português tem sido especialista em anunciar “vitórias” mais ou menos reais. Já sobre os fracassos, tende a remeter-se ao silêncio. Mas os portugueses têm o direito de ser informados e esclarecidos sobre todos os temas de interesse nacional.