Ao longo do dia de ontem, entre concentrações de apoio e repúdio à presença de Lula da Silva em Portugal e protestos de professores e de outros grupos profissionais, registaram-se 15 manifestações em Lisboa. Mais do que um dia de festa, este 25 de Abril foi sintomático do ambiente de tensão e descontentamento que existe na sociedade portuguesa. Um sentimento que nem as cerimónias e discursos de ocasião conseguem disfarçar.
Os portugueses prezam o 25 de Abril e a liberdade que este nos trouxe. As suas conquistas, da saúde à educação. Estou convencida de que esse sentimento não mudou para a grande maioria dos cidadãos, incluindo aqueles que já nasceram depois dessa Primavera de 1974. Mas esta é também uma data em que fazemos inevitavelmente um balanço entre o que eram as promessas daquele “dia inicial” e o país que temos quase meio século depois.
E, nesse balanço, somos confrontados com muitas expetativas defraudadas, em especial no que respeita ao crescimento económico e à melhoria dos padrões de vida da população em geral. Somos confrontados com um país que, a vários níveis, tem até piorado no passado recente. E que continua a perder terreno face a outras democracias europeias, muitas delas bastante mais novas do que a nossa.
Há um claro responsável por este estado de coisas, não apenas pelo que (não) tem feito com a maioria confortável que os portugueses lhe confiaram nas últimas eleições legislativas, mas também pelo que passou a fazer desde já há algum tempo. A navegação à vista, tão marcada na presente legislatura, tem sido o principal traço identitário de quase uma década de governação socialista.
O PS habituou-se a encarar o poder político como um fim em si mesmo – o único fim – e não um meio para alcançar o objetivo maior de fazer avançar Portugal. Preservar esse poder, quer através de medidas pontuais para ir gerindo emoções do eleitorado, quer através de campanhas contra os opositores, passou a ser mais importante do que verdadeiramente pensar o futuro do país. Mais importante do que dar os passos necessários para assegurar o progresso, fazendo reformas que implicariam inevitavelmente desagradar a determinados interesses e ter de criar pontes de entendimento com os adversários políticos.
O primeiro-ministro tem sido a personificação desta forma de estar. Apoiantes e opositores, todos lhe reconhecem o talento para o jogo político puro e duro, bem como a capacidade para ir emergindo incólume de sucessivas crises nas suas equipas governativas. Mas quando fazemos o balanço destes seus já longos anos de poder tem pouco para apresentar em matéria de obra feita.
As reformas de que o país precisa para crescer continuam todas por fazer. Na justiça, na fiscalidade, nas instituições de ensino e de investigação, na qualidade dos serviços públicos em geral. Na criação de condições favoráveis ao empreendedorismo e à inovação, que permitam atrair mais empresas e investimento, gerar mais bens e serviços de elevado valor acrescentado, mais riqueza, melhores oportunidades profissionais e salários.
Nomeadamente para os jovens, a tal geração mais qualificada de sempre que continua, em muitos casos, a procurar fora de portas as perspetivas que por cá não encontra. Os jovens que cada vez adiam mais a constituição das suas próprias famílias, o que faz de Portugal um dos países mais envelhecidos da Europa.
Mas esta fórmula de navegação à vista tem dado crescentes sinais de desgaste. Já não produz ilusões e sim decrescença e frustração. É isso que vemos nas ruas. É isso que indiciam as sondagens divulgadas no início da semana, as quais, valendo o que valem, estão longe de premiar o desempenho de uma maioria absoluta que tinha tudo a seu favor – incluindo a maior leva de sempre de fundos europeus – para fazer muito. E que tem falhado clamorosamente.
Não precisamos de um novo 25 de Abril, mas precisamos rapidamente de nos reinventar.