A falta de recomendações sobre o distanciamento social nos aviões acabou por ser o principal destaque no pacote relativo aos transportes e ao turismo da Comissão Europeia. Não é uma total surpresa, face às crescentes e muito públicas pressões do lóbi das transportadoras aéreas e alguns dos seus CEO. Mas não deixa de ser uma medida — ou ausência dela — muito difícil de explicar aos cidadãos.
Mesmo em progressiva redução do confinamento, a generalidade dos países da União Europeia continua a limitar eventos públicos, a condicionar o acesso a estabelecimentos comerciais, a dispor até sobre quantas pessoas devemos receber em casa. Em Portugal, teatros e cinemas reabriram com uma lotação máxima de 50%. Como justificar que uma centena ou mais de pessoas possam viajar num avião sem que sejam tomadas medidas para as manter a uma distância segura umas das outras?
A verdade é que não existe uma resposta credível para a pergunta. Pelo menos uma que possa ser fundamentada, sem margem para dúvida, com base em evidências científicas. E esse facto ficou bem patente nas atabalhoadas tentativas de justificação desta decisão por parte das autoridades europeias e nacionais e das próprias companhias aéreas.
A comissária europeia dos Transportes, Adina Valean, transferiu o ónus para os passageiros, classificando o ato de voar como uma espécie de decisão individual supérflua, por contraste com outros transportes aos quais são impostas estas regras. Como se todos os emigrantes que precisam de voltar a casa para estarem com as famílias, todos os profissionais cujas atividades dependem de longas deslocações internacionais, tivessem sempre estes meios alternativos como opção. As companhias ensaiaram explicações técnicas, como a qualidade de filtragem “de nível hospitalar” dos aparelhos.
Argumentos que fogem ao essencial: a questão não se resume a saber se um avião coloca menos risco de contágio do que um autocarro ou um comboio. A dúvida é se o risco é baixo ao ponto de permitir dispensar cautelas mantidas noutras situações teoricamente menos perigosas, nomeadamente atividades ao ar livre, como um dia de praia.
A resposta que explica a decisão da Comissão Europeia é económica: sem lotações de pelo menos 77% da capacidade dos aviões, dizem as companhias, os voos tornam-se financeiramente insustentáveis. Foi com este argumento que levaram a melhor. Mas talvez seja prematuro dizer que ganharam alguma coisa com isso.
Todos os negócios dependem de um ingrediente essencial para terem sucesso: a confiança dos clientes. Admitindo que os passageiros darão um voto de confiança às operadoras no futuro próximo, enchendo-lhes os aviões, seguramente não o voltarão a fazer caso esta decisão tenha consequências do ponto de vista da saúde pública.
Em toda a minha carreira tenho defendido a importância de as decisões políticas serem suportadas por sólidas evidências científicas. Estas, por si, não garantem o sucesso das medidas nem dispensam a ponderação de outros fatores. Mas reduzem a margem de erro e reforçam a confiança dos cidadãos. E é dessa confiança, mais do que de exceções feitas por medida, que precisamos verdadeiramente para sair desta crise.