Imprensa As migalhas do bolo socialista

Artigos de Opinião | 29-03-2023 in Diário de Notícias

Como não poderia deixar de ser, face à mudança de 180 graus das suas posições no espaço de duas semanas, o governo está a ser acusado de incoerência na questão do cabaz de produtos com IVA zero. Pessoalmente, não considero que este seja o aspeto mais grave desta história. Aliás, muito desejariam os portugueses que a equipa liderada por António Costa emendasse a mão, em tantos outros erros estratégicos que tem cometido, e começasse de facto a governar o país, tarefa para a qual continua mandatada por mais três anos e meio.

O que verdadeiramente me preocupa é a falta de visão e de capacidade de planeamento que este caso denuncia. Primeiro, o governo achou que os preços iam parar de subir naturalmente, quando todos os indicadores apontavam para uma tendência oposta. Depois, desvalorizou o impacto de medidas pela via da fiscalidade, considerando que as mesmas seriam ineficazes. Finalmente, quando se decidiu a tomá-las, veio justificar a demora com a sua própria incapacidade para prever adequadamente o défice das contas públicas no ano passado. Tudo isto é sintomático do que tem sido este primeiro ano da maioria socialista.

Para que não fiquem dúvidas, a decisão de eliminar o IVA num conjunto de produtos muito importantes para a alimentação dos portugueses é positiva. E o modelo apresentado (única vantagem de o governo ter demorado a agir face a outros países) até contempla algumas salvaguardas que poderão impedir a repetição do fracasso que esta medida teve em Espanha, nomeadamente o fato de se envolverem produtores e distribuidores nas negociações. No entanto, e como tem sido regra nas ações de resposta à crise por parte da tutela, é muito pouco, muito tarde.

Em termos práticos, os 600 milhões de euros que o governo se propõe aplicar nesta iniciativa, ao longo de seis meses, traduzem-se num investimento mensal de dez euros por português, sendo que o benefício real para os consumidores será bem menor, porque uma parte deste bolo servirá para compensar produtores. Isto, partindo do princípio de que será possível evitar que a redução do IVA seja absorvida devido a outros fatores. Já o que acontecerá depois destes seis meses, ninguém sabe, nem o governo se preocupou em esclarecer.

Como disse há dias o presidente do PSD, doutor Luís Montenegro, não vale a pena termos muitas ilusões em relação ao impacto desta medida. Se tudo correr pelo melhor, será dado um pequeno alívio às famílias durante um período curto de tempo. Mas continuarão por resolver os problemas de fundo que levam a que os portugueses vivam cada vez pior e que o país se afunde cada vez mais na tabela em relação aos restantes estados-membros da União Europeia.

Sem verdadeiro crescimento económico, e sem uma política fiscal que não absorva para a máquina do Estado e para as clientelas políticas do governo a maior parte da riqueza que é produzida, os salários continuarão baixos e o poder de compra das famílias continuará a afundar-se. Sem capacidade para projetar de forma objetiva e corajosa o futuro do país, deixando de governar à vista e de ir reagindo em vez de agir, continuaremos à mercê das marés do contexto internacional, resignados à esperança de que os outros resolvam os nossos problemas.

Mas os outros - incluindo alguns que recentemente estavam num patamar muito inferior ao nosso - não vão continuar eternamente a aguardar que Portugal cumpra os objetivos de coesão com uma União à qual aderiu há 37 anos.

Para mudarmos verdadeiramente as coisas precisamos de um rumo para o país. Um rumo que contribua para a melhoria do nível de vida de todos os portugueses, de forma a que não seja necessário subsidiar uma parte substancial da população para que esta não caia abaixo do limiar da pobreza. Em que se reconheça o papel fundamental do setor privado como motor da economia. E este rumo, já todos percebemos, dificilmente será oferecido por quem passou tantos anos a governar desde o 25 de Abril que começou a confundir-se com o próprio Estado.

 

Pode ler o artigo no site do DN, clicando aqui.

Atenção, o seu browser está desactualizado.
Para ter uma boa experiência de navegação recomendamos que utilize uma versão actualizada do Chrome, Firefox, Safari, Opera ou Internet Explorer.