O primeiro-ministro anunciou enfim o pacote de medidas de apoio às famílias e, honra lhe seja feita, gerou um enorme consenso em toda a oposição, desde comunistas a liberais. O sentido desse consenso, unanimemente crítico, talvez não tenha agradado ao governo, mas, sinceramente, não se poderia esperar reação diferente.
Por mais retórica que se use, no final de contas 2+2 serão sempre iguais a quatro. Mas António Costa dirigiu-se aos portugueses parecendo querer convencê-los, em especial aos pensionistas, que iria fazer o milagre da multiplicação dos pães. Tentando dizer-lhes que, recorrendo apenas a parte da receita fiscal extraordinária arrecadada a reboque da inflação - e, vá lá, encurtando ligeiramente essa receita no futuro próximo -, seria capaz de anular todas as consequências dessa mesma inflação.
O primeiro-ministro tem toda a legitimidade para fazer as suas escolhas. Mas tem igualmente a obrigação de as comunicar com transparência. Não pode, face ao que foi anunciado, dizer que os pensionistas verão "integralmente reposto o poder de compra perdido ao longo de 2022". Tal como não deve anunciar pomposamente uma descida do IVA da eletricidade de 13% para os 6%, omitindo o facto de os 13% se aplicarem a uma parcela muito pequena dos consumos domésticos, sendo os restantes taxados a uns 23% que não serão alterados.
São as medidas anunciadas negativas para o país? Tudo o que contribua para aliviar as consequências do maior aumento do custo de vida em 30 anos é sempre positivo. E muitas das decisões agora anunciadas coincidem, no geral, com o que o PSD já propusera, nomeadamente no Programa de Emergência Social apresentado em agosto por Luís Montenegro.
Seguramente poderiam ter sido tomadas outras e melhores opções. Por exemplo, como vinha defendendo o PSD, e como lembrou o vice-presidente do partido, Leitão Amaro, fazendo refletir nas reformas dos pensionistas, "o aumento que a lei previa" face à inflação e ao crescimento económico, revendo as taxas de IRS da classe média ou aplicando uma taxa reduzida de 6% a todos os produtos de energia e não apenas a parte destes. Mas a pior parte da intervenção do primeiro-ministro foi mesmo ter inflacionado sem pudores o alcance das suas medidas.
Falando em inflação, todos sabemos que o aumento dos preços da energia tem sido o seu principal motor e que parte substancial do problema reside na dependência da Europa face à Rússia. Por isso temos discutido ativamente a necessidade de diversificarmos os nossos fornecedores, nomeadamente do gás. Portugal e Espanha têm-se batido pela construção da interligação dos Pirenéus, que poria fim ao isolamento da Península Ibérica face ao resto da Europa e abriria a porta a novas cadeias de abastecimento de gás natural e gás natural liquefeito, diversificando os países de origem.
Isto mesmo foi defendido pelo chanceler alemão Olaf Scholz nesta segunda-feira, numa reunião com o presidente da República Francesa, Emmanuel Macron. Mas a resposta deste último, para lá de dececionante, chegou ao ponto de se tornar leviana e insultuosa. Macron não apenas recusou esta solução como rotulou de "falsos" todos os argumentos apresentados pelas outras partes, chegando ao cúmulo de fazer piadas, equiparando o debate sobre este tema a "cabras a saltar nos Pirenéus". E terminou, segundo algumas notícias, apresentando à Alemanha um negócio à parte, oferecendo gás em troca de eletricidade.
Não se pode acusar Macron de não ter sido claro, pelo que também o serei. Há quase 20 anos que a interligação dos Pirenéus vem sendo sistematicamente bloqueada pela França, mesmo depois de, em mais do que uma ocasião, esta se ter comprometido por escrito a avançar com o projeto. Talvez seja altura de a França assumir que estas atitudes nada têm que ver com os "estudos de custo-benefício" que vai invocando e resultam, sim, dos seus próprios objetivos enquanto país exportador de energia. Pelo menos saberemos com o que contamos.