Na semana passada, numa cimeira em Lanzarote, os primeiros-ministros de Portugal e Espanha voltaram a reiterar, com pompa e circunstância, a intenção de fazerem da Península Ibérica uma "exportadora" de hidrogénio verde para a Europa, através do projeto H2Med.
Seria de esperar que, perante tantos alertas sobre a falta de razoabilidade desta empreitada, houvesse maior cautela nas promessas feitas. Mas António Costa parece decidido a não deixar cair esta "bandeira". E isso é preocupante. Porque significa que está disposto a investir enormes recursos numa estratégia que, face ao atual estado da arte desta tecnologia, tem poucas perspetivas de sucesso.
Como venho dizendo desde que, em outubro do ano passado, Portugal, Espanha e França anunciaram um novo acordo sobre as ligações energéticas, e como qualquer engenheiro com um mínimo de experiência no setor da energia poderá confirmar, no seu atual estado de desenvolvimento tecnológico o hidrogénio verde não é um bom candidato para a exportação.
Poderá vir a sê-lo no futuro. Mas atualmente o seu transporte é caro e ineficaz, com perdas muito significativas na rede. Para todos os países que tenham acesso aos dois ingredientes fundamentais para a sua produção - abundância de energias renováveis e disponibilidade de água - é nesta altura muito mais lógico produzir do que importar. E é por isso que em toda a Europa estão a ser projetadas novas unidades de eletrólise para o fabrico de hidrogénio verde.
"A verdade é que, enquanto o governo sonha com corredores verdes, continuamos isolados do resto da Europa na energia."
No caso de Portugal, a grande unidade de produção a construir em Sines faz todo o sentido numa lógica de desenvolvimento da economia da região e do país. Mas, pelas razões expostas, dificilmente será o grande centro de exportação que o governo visualiza, porque essa função não é lógica do ponto de vista do custo-benefício, e nem sequer é a melhor no plano ambiental.
Infelizmente, apesar da clareza dos factos, a ideia de termos "corredores verdes" a transportar quantidades enormes de energia limpa para toda a Europa continua a ser sedutora, ao ponto de muita gente se recusar a reconhecer o óbvio.
Por isso mesmo, quero aqui sublinhar o mérito da associação ambientalista Zero ao expor, numa análise apolítica e factual, baseada em evidências científicas, o absurdo da ideia de fazer de Portugal um grande exportador de hidrogénio. Ao fazê-lo, prestou um bom serviço à causa do ambiente. Porque não há nada que afete mais uma causa legítima do que comprometer os seus objetivos devido a mau planeamento e execução. Tal como nada descredibiliza mais uma tecnologia promissora do que tentar usá-la, em larga escala, para fins que ainda não está pronta a servir.
A Comissão Europeia tem uma estratégia, que passa por aumentar massivamente a capacidade de produção de hidrogénio limpo. Um passo importantíssimo para garantir a transição verde na indústria, em especial nos setores de consumo intensivo de energia, mas também nos transportes pesados por via terrestre, marítima e aérea. Mas esta é uma estratégia a implementar essencialmente a nível local, multiplicando as unidades de produção, localizando-as estrategicamente nos pontos onde existe boa capacidade instalada de produção de renováveis e, simultaneamente, indústrias com dificuldades para se descarbonizarem, que beneficiarão desta tecnologia.
Quanto mais cedo nos convencermos disto, mais cedo nos poderemos focar no essencial: apostar no hidrogénio, sim, mas para servir as nossas indústrias e os nossos serviços; e, no que respeita a redes entre a Península Ibérica e o resto da Europa, assegurar o que ainda não temos - boas interconexões elétricas. A verdade é que, enquanto o governo sonha com corredores verdes, continuamos isolados do resto da Europa na energia.
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