A história da União Europeia tem estado desde o início ligada à questão da energia. Tudo começou em maio de 1950, quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros de França, Robert Schumann, propôs a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, estabelecida em 1952. Em 1957, o grupo original de seis países assinou dois tratados em Roma, criando a Comunidade Económica Europeia, mas também a Comunidade Europeia de Energia Atómica Euratom. Ao mesmo tempo, os Estados-Membros têm preservado o papel de decisores na determinação do seu próprio cabaz energético. A energia foi sempre uma política da responsabilidade dos Estados-Membros. E esse facto não mudou, mesmo quando, em 1987, sob Jacques Delors, o Ato Único Europeu criou um mercado único, introduzindo a liberalização do mercado. No entanto, a necessidade de se responder a desafios partilhados por todos, tem-nos conduzido a uma cada vez maior convergência, se não nas políticas energéticas, pelo menos nos objetivos.
Em 2008, associámos a energia às alterações climáticas, através dos chamados objetivos 3x20, traduzidos em três metas, a atingir até 2020: os Estados-Membros concordaram em reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 20%; em melhorar a eficiência energética em 20%; e em aumentar para 20% a quota das renováveis no consumo final de energia. A implementação deste plano ficou aquém das expetativas e, em 2014, a União Europeia transferiu os três objetivos para 2030. Desde então, registaram-se progressos ao nível das renováveis, mas a meta de eficiência energética ainda está longe de ser alcançada. O mesmo aconteceu com a segurança energética, pois a UE manteve-se muito dependente de países terceiros em termos energéticos.
Em 2019, com um novo colégio e um novo Parlamento Europeu, a energia e o combate às alterações climáticas, a par de uma transformação digital, voltaram a ser eleitas como prioritárias para a Europa. A presidente von der Leyen apresentou o Green Deal, apontando para a neutralidade climática até 2050, como a nova estratégia de crescimento da União. Um ano depois, em 2020, na sua primeira ação concreta após o Green Deal, a Comissão Europeia adotou a Lei do Clima. Esta, estabelece uma meta juridicamente vinculativa de zero emissões de gases com efeitos de estufa até 2050, e incorpora uma nova meta para reduzir as emissões em pelo menos 55% até 2030.
Para atingir os objetivos da Lei do Clima, em 2021, a Comissão Europeia adotou um pacote de propostas, contendo ferramentas legislativas para cumprir as metas acordadas, que é chamado de pacote “Fit for 55”. Consiste de uma comunicação abrangente, além de 17 novas propostas para a revisão da legislação climática e energética. Pela primeira vez, a Comissão Europeia não concentrou a sua legislação energética/climática na produção de energia elétrica e na indústria. Alargou o âmbito a outros setores, como transportes, edifícios, agricultura e florestas. Este é realmente um pacote muito abrangente.
Uma das propostas mais importantes é a Revisão (RED III) da Diretiva de Energias Renováveis. A Comissão Europeia propôs aumentar a percentagem de energias renováveis na UE para 40% até 2030. O Parlamento Europeu elevou esta ambição para 45%. A diretiva inclui uma meta secundária de 5% para tecnologias renováveis inovadoras, por exemplo a energia das ondas e das marés. A diretiva RED III estabelece ainda uma estrutura abrangente para a implantação de energias renováveis em toda a economia, concentrando-se principalmente em setores onde o progresso tem sido lento, como transportes e edifícios. A proposta também altera os critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis e inclui critérios de sustentabilidade para a biomassa (princípio de cascata). A energia hidroelétrica foi salvaguardada e não lhe será aplicado qualquer critério de sustentabilidade.
A proposta de reformulação da Diretiva de Eficiência Energética também faz parte do Fit for 55. Com o princípio “Energy Efficiency First”, estabelece a meta geral de uma redução de pelo menos 40% no consumo final de energia até 2030, bem como uma meta de 42,5% no consumo de energia primária face a 2007. Estas são metas vinculativas ao nível de cada Estado-membro.
Muito ambicioso é também o novo regulamento para os padrões de desempenho de emissões de CO2 para novos automóveis de passageiros e novos veículos comerciais leves. Proíbe as vendas de novos veículos com motores de combustão interna (MCI) a partir de 2035, o que deve levar a uma frota da UE com emissões zero até 2050, quando todos os veículos MCI existentes chegarem ao fim do seu ciclo de vida. Durante a preparação dos relatórios do Parlamento Europeu, ocorreu a invasão da Ucrânia pela Federação Russa. Consequentemente, os deputados decidiram reforçar as ambições face às propostas iniciais da Comissão Europeia. Antes da guerra, a UE importava 90% de seu gás, com a Rússia a fornecer 45% das importações de gás, 25% das importações de petróleo e 45% das importações de carvão. No final de 2022, 9% das importações de gás por gasoduto ainda vinham da Rússia, mas esse valor comparava com os 40% que se verificavam no início da guerra.
A primeira medida tomada pela Comissão Europeia, Conselho Europeu e Parlamento Europeu, antes do Verão de 2022, foi garantir que o armazenamento subterrâneo de gás fosse preenchido com pelo menos 80% da capacidade total até novembro do mesmo ano. Este objetivo foi alcançado. Entretanto, a Comissão Europeia publicou o plano Repower EU, com os principais objetivos para eliminar gradualmente a dependência externa da UE nos combustíveis fósseis bem antes de 2030.
Estes objetivos incluem diversificar o fornecimento de gás através de maiores importações de GNL e recurso a gás proveniente de gasodutos adquirido a fornecedores não russos; o aumento dos volumes de produção e importação de biometano e hidrogénio; aumentar a eficiência energética; aumentar as energias renováveis e a eletrificação; e ainda a resolução de bloqueios de infraestrutura, nomeadamente concluindo as interconexões de gás e de eletricidade em falta. Com o Repower EU, o Hidrogénio ganha um papel reforçado como facilitador essencial para setores difíceis de descarbonizar, como as indústrias pesadas e alguns setores dos transportes. O Repower EU também introduziu novas metas nas diretivas existentes. A saber: uma ambição aumentada na RED III, visando 10 milhões de toneladas de produção de hidrogénio renovável na UE e a mesma quantidade de importações até 2030; o aumento do uso de hidrogénio nas submetas da indústria em RED III. Até 2030, 50% do hidrogénio consumido na indústria deve ser renovável e esse percentual sobe para 70% em 2035; e a disponibilização de fundos adicionais na PPP Hidrogénio Limpo (200 milhões de euros) para duplicar o número de vales de hidrogénio. O PPP Hidrogénio Limpo é uma parceria público-privada, no âmbito do Horizonte Europa, para promover a investigação e inovação na área do hidrogénio renovável, da qual fui relatora.
Com a continuação da guerra e o agravamento da situação em termos de preços da energia, mais medidas foram discutidas e acordadas. Entre estas estão a mobilização de instrumentos relevantes a nível nacional e da UE para proteger os agregados familiares e as empresas, em particular os mais vulneráveis; o aumento dos esforços para poupar energia; a simplificação dos procedimentos de licenciamento, a fim de acelerar a implantação de renováveis e redes; e a compra conjunta voluntária de gás, fazendo pleno uso da plataforma da UE, que está aberta também para os Balcãs Ocidentais e parceiros orientais associados.
Muito importantes são também a criação de um mercado único de energia totalmente integrado através da construção reforçada de novas interligações, como as existentes entre a Península Ibérica e França; o quadro temporário da UE para limitar o preço do gás na geração de eletricidade; e os esforços para aprimorar o desenho do mercado de eletricidade, procurando não modificar a ordem de mérito. A Europa enfrenta atualmente enormes desafios que exigem um grande investimento em infraestruturas, mas também em investigação e desenvolvimento tecnológico. Sobretudo para alguns setores dos transportes e de indústrias de consumo intensivo de energia que não contam ainda com as soluções necessárias para fazerem a descarbonização total das suas atividades. Por isso, a segunda parte da nossa estratégia, em paralelo com o desenvolvimento de políticas, é o financiamento de I&D. A UE tem um dos maiores programas de I&D do mundo, o Horizonte Europa, com cerca de 100 mil milhões de euros de investimento no período 2021-27. No entanto, este orçamento não será suficiente face aos grandes desafios que a Europa terá de ultrapassar.
Em síntese, teremos de conjugar três elementos que serão cruciais para alcançarmos os objetivos assumidos e superarmos as nossas atuais fragilidades, nomeadamente no que respeita à dependência externa de energia e matérias-primas essenciais: as políticas certas em termos de energia; uma estratégia de investimento em infraestrutura; e por último, mas não menos importante, capacidade de Investigação e Inovação.
Clique aqui para ler o artigo completo na revista Ingenium.