Os diferentes debates sobre as interligações energéticas da Península Ibérica com o resto da Europa têm a vantagem de nos obrigarem a refletir sobre qual deverá ser a estratégia portuguesa para a energia ao longo das próximas décadas.
A exportação de energia, nomeadamente do hidrogénio, através do tal "corredor verde" que deverá ser construído, é uma perspetiva interessante. Mas deve ser acompanhada de uma aposta na valorização deste potencial dentro do nosso próprio território.
O transporte de hidrogénio por gasodutos é tecnicamente muito difícil, e não particularmente eficaz quando comparado com outros gases. Além disso, não nos faltarão concorrentes na sua produção, muitos destes mais próximos do centro da Europa. Contudo, esse esforço poderá ser compensado se a produção deste gás servir também como fator de atracão e de fixação no nosso país de empresas e indústrias.
A energia é um dos principais contribuidores para os custos operacionais da indústria, em particular das indústrias de consumo intensivo de energia, tais como o aço, as cerâmicas e o vidro. Por isso é que estas estão a ser tão afetadas pela atual crise dos preços do gás natural e da eletricidade.
Por outras palavras, não devemos apenas pensar em levar energia até à Alemanha, à Bélgica ou à Holanda, mas, também, em utilizar esta energia para conseguirmos trazer muitas das suas empresas até nós.
Este objetivo nada tem de utópico. Até recentemente, sempre que estavam em causa os custos operacionais, a deslocalização da produção para fora da Europa era muitas vezes a solução escolhida pela indústria. Mas hoje, na sequência da pandemia de Covid-19 e da guerra na Ucrânia, é cada vez mais clara a noção de que a União Europeia precisa de recuperar a sua capacidade de produzir localmente, dentro das suas fronteiras, para garantir a sua autonomia.
E as renováveis são um setor no qual Portugal goza já de vantagens importantes em relação aos concorrentes. Por mérito próprio, tendo feito um esforço para crescer neste setor acima da média europeia, mas também pelas características específicas do país. Por exemplo, o número de horas de sol anuais, muito superior às médias do centro da Europa.
No que respeita ao potencial do hidrogénio, as possibilidades não se esgotam apenas na sua função como vetor de energia. A aposta neste gás poderá também transformar o país num importante produtor de amónia e, consequentemente, de fertilizantes renováveis, bem como de novos combustíveis sintéticos que serão indispensáveis para o transporte de longo curso, a navegação marítima e a aviação comercial.
E tudo isto irá permitir-nos combater as assimetrias regionais que nos caracterizam, atraindo investimento e criando empregos no Interior do País. Mas para que aproveitemos esta oportunidade, temos de evitar desperdiçar tempo e recursos em aventuras incertas e temos de criar no país as outras características que procuram as empresas que querem investir, tais como políticas fiscais favoráveis, tribunais e serviços públicos em geral que funcionem. Menos burocracia. Mais incentivos.