Imprensa A Birmânia na encruzilhada

Artigos de Opinião | 29-10-2010 in Diário do Alentejo

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A Birmânia é um país vastíssimo. Nela habita uma imensa variedade de povos que se exprimem em mais de 100 línguas diferentes, que professam crenças diferentes e cultivam tradições distintas. A etnia maioritária, os bramás, bem como a religião que professam, o budismo teravada, desempenha um papel determinante na organização do país. A história do país está repleta de episódios violentos resultantes de tensões étnicas mal resolvidas.

Após uma breve caminhada no sentido de um regime parlamentar, pluripartidário e democrático, despoletada pela a Independência alcançada a 4 de Janeiro de 1948, um golpe de estado perpetrado pelos militares, em 1962, redireccionou a Birmânia para uma aventura socialista totalitária que conduziu o país à ruína económica. Desde aí os militares não abriram mão do poder e a Birmânia é hoje uma ditadura militar com problemas crónicos de violações dos direitos humanos. Sucedem-se as notícias de abusos de crianças, de segregação de minorias étnicas e de violações e escravização de mulheres. A corrupção grassa no país e o tráfico de droga é encarado pelos governantes como fonte legítima de financiamento.

Os birmaneses deram sinais de querer despertar do pesadelo totalitário a 8 de Agosto de 1988, durante um colossal levantamento popular que ficou conhecido por "Levante de 8888". Todos nos recordamos das imagens transmitidas pelos mass media ocidentais, imagens de manifestações colossais em que participaram monges budistas, médicos, advogados, músicos, actores, funcionários públicos, camponeses. Foi durante estes protestes que Aung San Suu Kyi, filha do herói nacional da independência da Birmânia, Aung San, emergiu aos olhos do seu povo, e da comunidade internacional, como símbolo da luta contra o regime militar e como líder capaz de conduzir o movimento de protesto rumo à democracia.

Em consequência da luta popular, da pressão internacional e do combate político da oposição, liderada por Aung San Suu Kyi, o governo militar viu-se obrigado a realizar eleições livres em Maio de 1990. A Liga Nacional para a Democracia, o partido de Aung San Suu Kyi, ganhou as eleições obtendo mais de 60 porcento dos votos e 80 porcento dos lugares no Parlamento. Mas o governo militar anulou o resultado do acto eleitoral e instituiu um regime cruel e repressivo. Aung San Suu Kyi foi condenada a prisão domiciliária. Pouco tempo depois, em 1991, foi galardoada com o prémio Novel da Paz.

As próximas eleições estão agendadas para dia 7 de Novembro. Mas, para evitar outro resultado humilhante para o regime, o governo aprovou leis que excluem do acto eleitoral os mais de 2200 presos políticos e os cidadãos birmaneses casados com estrangeiros. Além disso, 25 porcento dos assentos do Parlamento foram reservados para os militares.

Em protesto contra um acto eleitoral que não assegura a liberdade e universalidade do voto, a oposição, liderada por Aung San Suu Kyi, a qual permanece sob prisão domiciliária, decidiu não participar no acto eleitoral. Uma decisão polémica que pode vir a condicionar de forma decisiva o espaço de intervenção política das forças da liberdade e da democracia.

Foi a pensar nesta situação preocupante que, a 5 de Outubro do corrente, tomei a iniciativa de organizar um seminário sobre a situação na Birmânia, para o qual convidei o Presidente Ramos Horta, Prémio Nobel da Paz, na qualidade de orador principal.

Durante a sua intervenção, o Presidente de Timor-Leste apelou ao diálogo tripartido entre o governo birmanês, a oposição e as várias minorias étnicas que integram a população do país. Ramos Horta, pelo seu prestígio e credibilidade internacionais e pela sua vasta experiência e sensibilidade para as questões dos direitos humanos, pode desempenhar um papel importante na questão birmanesa. Timor-Leste é um país do sudoeste asiático, com fortes laços de amizade com Portugal e com a Europa, e encontra-se numa posição privilegiada para actuar como ponte de ligação entre os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), a ASEAN (Associação das Nações do Sudoeste Asiático) e a Europa.

Seria ingenuidade esperar que os apelos da comunidade internacional e as sanções impostas à Birmânia, só por si, produzam grandes melhorias num curto espaço de tempo. O próprio Presidente Ramos Horta pôs em causa estas sanções, cujo efeito nefasto o governo transfere totalmente para a população.

Embora pouco livres e justas, as próximas eleições implicam uma mobilização cívica e política da sociedade. Alguns efeitos benéficos poderão daí resultar. Tenhamos esperança de que a inevitável reorganização dos poderes do estado abra caminho a uma sociedade mais justa, mais livre e mais democrática.

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