A estratégia europeia para as matérias-primas críticas foi debatida nesta sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Trata-se de um tema central para o futuro da União Europeia. O European Green Deal, e a própria Estratégia Industrial Europeia, têm como uma das suas grandes metas a substituição dos combustíveis fósseis por alternativas que, para serem viáveis, implicam a aposta massiva em soluções tecnológicas que dependem da disponibilidade destes recursos. Por exemplo, os automóveis elétricos, para os quais o lítio é essencial. Também a transição digital implica o reforço da produção europeia de componentes, igualmente dependentes de matérias-primas muito específicas.
Face a uma forte dependência de fornecedores externos, a estratégia europeia passa pelo reforço da extração local, além de outras vertentes, como uma melhor política de reutilização dos produtos e dos seus componentes. E tudo isto tem enorme interesse para Portugal, apontado como o país da União com maiores reservas de lítio. No entanto, a forma como esse debate tem evoluído no nosso país em nada serve os nossos interesses.
Recentemente, o ministro do Ambiente afirmou não compreender "como é que a palavra "lítio" se tornou num palavrão em Portugal". É uma pergunta pertinente. Aqui fica a minha teoria: desde o início, o governo tem gerido este dossiê como quem quer construir uma casa à pressa, sem se preocupar com os seus alicerces e estrutura.
As populações, em particular as que residem em áreas próximas dos potenciais locais de extração, devem ser ouvidas em temas desta natureza. Qualquer impacto, não apenas ambiental, mas nos seus estilos e qualidade de vida decorrente de uma exploração, deve ser devidamente ponderado, negociado e, no limite, considerado motivo de exclusão do projeto. Este é, aliás, um dos aspetos em que o Parlamento Europeu tem vindo a insistir na discussão da estratégia para a UE.
Não é o que tem acontecido em Portugal. O que transparece para os cidadãos, desde o discurso dos governantes ao anúncio de grandes investimentos no setor feito, à margem da Web Summit, pelo CEO de uma das maiores empresas nacionais é uma lógica de facto consumado, na qual os estudos de impacto ambiental e a discussão pública parecem ser meros proformas. Não estou a afirmar que o sejam, mas é o que parece, e isso já basta para fomentar a desconfiança.
Em setembro, na sequência de um relatório de avaliação ambiental preliminar do Programa de Prospeção e Pesquisa de Lítio - o qual identificou "alguns riscos", mas também potencial para "a descarbonização da economia" nas oito possíveis áreas de exploração deste minério, no Norte e Centro do país -, arrancou a consulta pública desse documento. Consulta essa que o governo já decidiu alargar até dezembro. Entretanto, têm-se sucedido os rumores.
No início deste mês, chegou a ser noticiado por diversos órgãos de comunicação que o governo teria assinado 14 contratos de exploração mineira, incluindo do lítio, a ter lugar, nomeadamente, na serra de Argemela, nos concelhos do Fundão e da Covilhã, onde um movimento de cidadãos se tem oposto energicamente aos projetos em curso. O governo veio, entretanto, desmentir essas notícias, mas o mal-estar permaneceu.
Tal como permanece em Boticas, onde nem as promessas de investimento na economia local por parte da empresa britânica que pretende iniciar uma exploração na mina do Barroso está a convencer a população e os autarcas.
É altura de se dar um passo atrás e de se repensar a estratégia para a exploração do lítio em Portugal. Pessoalmente, não o escondo, considero que esta é uma oportunidade demasiado boa para desperdiçar. Mas será isso mesmo que acontecerá se o processo continuar a ser conduzido à revelia das pessoas, em vez de com elas.