O chumbo do Orçamento do Estado para 2022, e consequente dissolução da Assembleia da República, não tem necessariamente de ser uma má notícia para o País. A crise política surge num momento sensível, com várias questões urgentes para resolver, e é natural que os portugueses olhem com consternação para estes acontecimentos. Mas esse facto também coloca sobre todos os partidos a responsabilidade acrescida de, nos seus programas eleitorais, apresentarem propostas inovadoras que melhor preparem Portugal para o curto, médio e longo prazo.
Na minha leitura, há três temas que não podem fica fora dessa discussão: a energia, as barreiras à inovação nas empresas e as persistentes assimetrias na sociedade portuguesa. Num certo sentido, estão interligados, porque todos têm concorrido para a estagnação ou crescimentos anémicos que têm marcado a realidade nacional desde há muito tempo.
No que respeita à energia, as medidas de curto prazo anunciadas pelo governo, incluindo o anedótico IVAucher de cinco euros dos combustíveis, mais não são do que paliativos para a atual crise de preços. Dificilmente serão suficientes para proteger a classe média em geral, bem como as empresas, e não resolvem nenhum dos problemas de fundo que fazem de Portugal um dos países onde a fatura energética mais pesa sobre as pessoas e sobre a atividade económica em geral.
Para que o país deixe de estar tão exposto às flutuações globais nos preços da energia, temos de atuar sobre os motivos que contribuem para a especificidade da situação nacional: a carga fiscal desmesurada, os chamados "custos de interesse económico geral", as rendas e rendinhas que fazem das nossas faturas de energia autênticos relatórios e contas onde o produto adquirido é apenas uma de várias componentes. A Europa entrou num ciclo de transição para fontes de energia limpas, mas essa mudança só será aceite pelos cidadãos se a energia for também acessível.
A carga fiscal - na energia e não só - é um dos principais obstáculos à criação em Portugal de um sistema favorável à inovação, que incentive o crescimento económico e o dinamismo nas empresas. Mas há outros, claramente identificados, como a burocracia, o funcionamento da justiça e as leis laborais.
Estas últimas continuam a ser um tema tabu na nossa sociedade. Contudo, talvez seja altura de nos interrogarmos se as leis que temos cumprem a sua função de proteção dos direitos dos trabalhadores ou se estão, na realidade, a condicionar o crescimento económico e, por tabela, a criação de mais e melhores empregos. No papel, são rigorosas, quase draconianas. Na prática, os números dos trabalhadores precários e a percentagem da população ativa a viver com o salário mínimo ou pouco mais contam-nos outra história.
Isto leva-me ao tema das assimetrias na nossa sociedade e das soluções de que precisamos para as combater. Portugal tem um enorme fosso entre os salários mais altos e mais baixos, um dos maiores entre os países da OCDE. Este manifesta-se não apenas na população ativa em geral, mas também, por exemplo, nas diferenças entre homens e mulheres, com estas últimas a receberem em média menos 14% por trabalho igual.
Algumas das causas estão relacionadas com o que atrás referi sobre as empresas. Outras têm uma matriz cultural, e devem ser combatidas com ações destinadas a promover uma mudança de mentalidades, dos bancos de escola ao mercado de trabalho.
Mas a fórmula mais eficiente para assegurar a melhoria das condições salariais da população - e que em Portugal continua a ter um peso acima da média na comparação internacional - é o reforço das qualificações. Investir nas qualificações da população, e num sistema educativo de qualidade, não esquecendo a formação ao longo da vida, é investir na melhoria da qualidade de vida dos portugueses e na competitividade do país.