Aparentemente, a realização da final da Liga dos Campeões, no passado dia 29 de maio, terá ficado "mais marcada pela positiva do que pela negativa". Foi o que nos garantiu o primeiro-ministro, no rescaldo das imagens que todos vimos nas televisões. Milhares de adeptos aglomerados nas ruas do Porto, a consumir bebidas alcoólicas na via pública e sem qualquer preocupação com o uso de máscara, muito menos o distanciamento social. Confrontos entre claques. Um polícia ferido e quatro adeptos detidos, segundo os dados oficiais da PSP. Um balanço positivo, portanto.
E o que justifica essa conclusão? O facto de "80% dos adeptos" terem respeitado o regime de "bolha" adotado pelas autoridades, o que significa que, dos mais de 14 mil que marcaram presença no Estádio do Dragão, "apenas" 2800 desprezaram alegremente as regras em vigor no país, com as autoridades policiais - por opção ou imposição superior - a cingirem a sua ação, de acordo com a PSP, a intervenções "rápidas e cirúrgicas" para sanar "pequenas desordens".
Custa a acreditar na promessa do governo de que este caso "serve de lição", quando a apreciação que faz do mesmo está tão desfasada da realidade. A única forma de nos convencerem de que a lição tinha de facto sido aprendida seria terem reconhecido o absoluto desastre que foi, primeiro, a decisão de organizar este evento, sem qualquer obrigação contratual de o fazer. Um favor à UEFA, em nome de um suposto prestígio internacional do país como organizador de eventos, e com incentivos fiscais à mistura.
E, segundo, uma vez consumada esta asneira, não tendo sido feito tudo o que fosse humanamente possível para garantir que as coisas corriam sem incidentes.
Permitir a presença de mais de 14 mil pessoas num estádio de futebol, num país que fechou as portas de todos os seus estádios e pavilhões há mais de um ano, é uma afronta a todos os clubes, atletas e adeptos que tiveram de se sujeitar a estas regras. O presidente do clube cujo estádio acolheu a final da Liga dos Campeões resumiu tudo, ao lembrar que, no dia seguinte, iria acolher no seu pavilhão um jogo de basquetebol no qual nem as famílias dos atletas estavam autorizadas a marcar presença. E convém lembrar que a única exceção anterior tinha sido outra prova internacional: um grande prémio de Fórmula 1, realizado no ano passado no Algarve, que também não correu nada bem.
Mas deixar que quase 3 mil adeptos - e pouco importa se eram ingleses, suecos ou noruegueses - ignorem olimpicamente as regras a que a população nacional tem estado sujeita há mais de um ano é infinitamente mais grave. É uma ofensa a todos os portugueses. Aos que continuam sujeitos a restrições até para visitarem os seus familiares nos lares. Aos que viram os seus negócios encerrados durante meses e meses. Aos que ficaram fechados em casa e continuam sujeitos a restrições duras para trabalhar, para conviver com aqueles que lhes são mais próximos.
É verdade que tinha havido um episódio anterior, com os festejos dos adeptos do Sporting pela conquista do campeonato, para os quais também não houve a devida antecipação. Mas, apesar de tudo, uma coisa é gerir um movimento espontâneo de massas, e outra, muito diferente, é criar deliberadamente a situação e depois não saber lidar com ela.
Independentemente do impacto que esta final da Liga dos Campeões possa ou não ter em termos de pandemia, os seus custos para a credibilidade das instituições do país foram já pesadíssimos. Em política, não há fatura mais pesada do que perder a própria face perante aqueles que supostamente se representa e lidera. Resta descobrir qual será o valor desta conta. Quem a irá pagar, todos sabemos.