Hoje queria falar sobre o futuro. Sobre as nuvens da pandemia que dão claros sinais de se dissiparem. A perspetiva de retomarmos em breve as nossas vidas na sua plenitude. De olharmos em frente e começarmos a arregaçar as mangas para correspondermos àquilo que os nossos cidadãos esperam de nós, àquilo que as novas gerações nos exigem. Equidade. Acesso à saúde. Melhor Educação. Criação de emprego e de riqueza. O enorme potencial do digital. O combate às alterações climáticas, apostando na ciência e na inovação para servir as pessoas e o planeta, construindo um mundo mais seguro, com melhor qualidade de vida para todos os que o habitam.
Queria falar de crescimento sustentável, em especial da economia do mar. Há dias, participei numa conferência sobre os dez anos da classificação da Ericeira como Reserva Mundial do Surf. E queria partilhar aqui o exemplo de uma atividade, o surf, que cria riqueza sem destruir, cujos praticantes são agentes ativos da conservação. E queria dar muitos outros exemplos de atividades de futuro ligadas aos oceanos, da produção de algas e fitoplâncton à dessalinização, nas quais Portugal poderia transformar-se num exemplo para o mundo.
Hoje queria falar sobre o Dia Internacional da Mulher que se aproxima. Sobre os retrocessos alarmantes, em países como o Afeganistão. Sobre as conquistas e desafios da Europa em matéria de igualdade de género. Desde a representação feminina nos centros de decisão, da política aos conselhos de administração das empresas, ao aproveitamento do seu talento em áreas de grande procura e crescimento, como as novas tecnologias.
Queria falar apenas sobre o futuro, mas não posso. Porque o presente é condicionado pelas ações de um tirano megalómano, saído de um passado que todos esperávamos há muito enterrado. Queria falar de esperança para os mais jovens, mas, agora, ecoa-me na cabeça aquela frase atribuída a diferentes líderes do mundo livre, de Roosevelt a Churchill, sobre o facto de a guerra ser enviar jovens, que não se conhecem nem se odeiam, para se matarem uns aos outros, em nome de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não combatem.
Uma frase que, no contexto atual, nem é muito justa, porque nesta história o ódio e a irracionalidade estão todos de um dos lados da barricada. Um lado que construiu uma narrativa na qual nem o próprio acredita, e que muito menos consegue vender ao resto do mundo ou aos seus próprios cidadãos, por mais propaganda e supressão da informação que utilize.
Aliás, o descrédito generalizado a que essa mentira foi imediatamente votada, mesmo por alguns países tradicionalmente amigos de Moscovo, é, por estranho que pareça dizê-lo nesta altura, um sinal animador.
Putin, tal como se vangloriou na televisão russa, alcançou o seu primeiro objetivo: pôr-me a mim, a si, a todos nós, a olharmos para ele, a temê-lo. Principalmente aqueles que, na Ucrânia, sentem os piores efeitos da sua agressão sem sentido. É até provável que, escudado na condição de potência nuclear do seu país, venha nos próximos dias ou nas próximas horas reclamar mais sucessos militares contra um adversário que, com toda a resistência que tem oferecido, não combate em igualdade de circunstâncias. Mas no final do dia estou convencida de que ele vai perder. Porque esse é invariavelmente o destino de quem atua tão claramente contra a razão.
As sanções à Rússia serão importantíssimas. O reforço da proteção das fronteiras dos países da NATO naquela região será importantíssimo. Mas, acima de tudo, será decisivo que, políticos e cidadãos, se mantenham unidos na condenação daquela invasão, deixando o líder russo cada vez mais isolado.
Os milhares que têm saído às ruas em protesto por todo o mundo, incluindo, corajosamente, em Moscovo, onde centenas de pessoas foram detidas, fazem mais danos a Putin do que um exército. Também eles, novos e velhos, são "jovens" que se batem, mas pela paz e pela justiça. Mesmo, em muitos casos, não conhecendo aqueles que defendem. E, por isso, por eles, hoje posso falar de futuro. E posso falar de esperança.