Em março deste ano escrevi aqui no DN, a propósito das intenções do governo português de fazer do país um grande exportador de hidrogénio verde, que “nada descredibiliza mais uma tecnologia promissora do que tentar usá-la, em larga escala, para fins que ainda não está pronta a servir”. Porém, hoje somos confrontados com um risco ainda maior: ver toda a aposta no hidrogénio, a fantasiosa e a razoável, comprometida por um escândalo de suspeitas de tráfico de influências abrangendo vários membros do governo.
Vale a pena recordar que, segundo as previsões avançadas em 2020 pelo então ministro do Ambiente José Matos Fernandes, aquando da apresentação da Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2), está previsto um investimento de sete mil milhões de euros até 2030 em projetos de produção de hidrogénio.
Nestes projetos do hidrogénio está em causa uma parcela significativa de fundos europeus. Não apenas do Portugal 2030 e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) mas também fundos obtidos de forma competitiva. O Green H2 Atlantic de Sines, por exemplo, foi um dos 41 projetos escolhidos, entre 239 candidaturas, para receber financiamento do Fundo Europeu de Inovação, sendo-lhe atribuídos 30 milhões de euros. Está ainda em causa financiamento privado, nomeadamente internacional.
Que nível de escrutínio enfrentarão a partir de agora quaisquer iniciativas desta natureza apresentadas pelo nosso país junto das instituições europeias? E que confiança terão os investidores e parceiros estrangeiros para continuarem a injetar centenas de milhões de euros em projetos do hidrogénio em Portugal, quando quase todos os seus interlocutores governamentais enfrentam problemas com a justiça?
Nunca escondi as minhas reservas em relação ao facto de o governo ter centrado toda a sua estratégia para a energia no hidrogénio. Por se tratar de tecnologia ainda em fase de desenvolvimento e por existir conhecimento, capacidade instalada e margem de crescimento para apostar na expansão de tecnologias mais consolidadas, tais como a energia solar e a eólica.
Também nunca tive ilusões de que o famoso projeto H2Med, para fazer da Península Ibérica uma grande exportadora de hidrogénio verde para a Europa, dificilmente veria a luz do dia no futuro próximo, porque pura e simplesmente ainda não existe capacidade tecnológica para transportar hidrogénio a grandes distâncias por pipeline.
Mas isso não significa que pretendesse ver o nosso país fora da corrida pela produção de hidrogénio limpo, que é uma componente essencial das políticas europeias para a transição verde na indústria e nos transportes pesados por via terrestre, marítima e aérea. Nem significa que não visse no hidrogénio potencial para contribuir para a reindustrialização e desenvolvimento económico do país, sobretudo quando utilizado localmente. O que temia, e infelizmente parece estar a ser demonstrado, é que ficaríamos com poucas alternativas caso esta grande aposta fosse de alguma forma comprometida.
Agora, o que há a fazer é mudar a estratégia para o hidrogénio, apostando em projetos locais e de menor dimensão. E é ainda imperioso fazer uma nova distribuição, mais equilibrada, dos fundos europeus. As consequências, se nada for feito, serão trágicas para o país. E serão especialmente graves para a região do Alentejo, onde foi alocada uma grande fatia dos fundos do PRR ao projeto de Sines, em prejuízo de investimentos há muito adiados, nomeadamente na rede rodoviária e na ferrovia.
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