No que respeita à energia, e em particular ao gás, a Península Ibérica tem sido essencialmente uma ilha na União Europeia. A condição periférica de Portugal e Espanha, e a ausência de um verdadeiro Mercado Único da Energia na União, contribuíram para este estado de coisas. Tal como contribuiu a atitude da França, cuja oposição foi decisiva para que o famoso gasoduto dos Pirenéus, que chegou a estar contemplado num acordo tripartido entre estes três países, desaparecesse em 2019 da lista de Projetos de Interesse Comum (PCI) da UE.
Com o arranque da Presidência Francesa do Conselho da União Europeia, e depois de Paris ter decidido, com razoável sucesso, fazer da energia nuclear uma "bandeira" na luta contra as alterações climáticas, as perspetivas de que este estado de coisas mudasse não eram as melhores. E assumo-o na qualidade de alguém que, em sintonia com toda a delegação do PSD, esteve ativamente empenhada nestes últimos dois anos em reabilitar o projeto dos Pirenéus.
Mas por vezes há acontecimentos que mudam as circunstâncias da noite para o dia. E a invasão da Ucrânia pela Rússia foi um desses acontecimentos. Não o definiria como uma oportunidade, até porque uma guerra, em especial com as implicações que esta já teve e terá, nunca será positiva nem para Portugal nem para nenhum país. No entanto, a Europa foi forçada a refletir sobre as consequências da sua falta de autonomia energética. E a reconsiderar, sobretudo os países da Europa Central, mais expostos à Rússia, quem são e quem devem ser no futuro os seus parceiros estratégicos. Ao mesmo tempo, os incidentes graves ocorridos em centrais nucleares da Ucrânia, no âmbito das operações russas, refrearam o entusiasmo a que vínhamos assistindo em torno desta forma de produção de energia.
Entre as medidas anunciadas na semana passada pela Comissão Europeia, no pacote intitulado Repower Europe, que aponta para a total independência em relação à energia russa até 2030, estão várias que tenho defendido no Parlamento Europeu. Nomeadamente, o reforço da aposta nas renováveis e no desenvolvimento de novas formas de energia limpa e acessível, bem como, no curto prazo, a possibilidade da compra conjunta do gás, a avaliação da capacidade instalada de armazenamento e a revisão das interligações, tendo em vista a diversificação dos fornecedores.
O gasoduto dos Pirenéus pode e deve fazer parte desta reflexão. Porque a sua relevância ficou demonstrada na presente crise. Portugal e Espanha podem servir como pontos de importação e distribuição pela Europa de gás natural, tirando partido dos terminais de gás natural liquefeito existentes nos seus territórios. E esta infraestrutura continuará a fazer sentido no futuro, nomeadamente para o hidrogénio. Por isso, fiquei muito feliz, na semana passada, ao receber a garantia do vice-presidente Timmermans de que este tema regressou à agenda europeia.
Isso mesmo foi aliás pedido à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e ao Presidente francês, Emmanuel Macron, numa carta enviada pelas delegações portuguesa, espanhola e francesa do Partido Popular Europeu. Mas na referida carta, não apenas era colocada a questão do gasoduto dos Pirenéus. Foi igualmente pedido ao executivo Europeu que acelerasse as interligações transfronteiriças de eletricidade, também a partir da Península Ibérica, projetos que continuam a constar das listas PCI, mas cujos prazos de conclusão se estendem até perto do final desta década.
Portugal, que tem sido um caso de sucesso no desenvolvimento das renováveis, e onde existe ainda muita margem de crescimento a esse nível, poderá no futuro vir a transformar-se num verdadeiro exportador de eletricidade, ajudando a União Europeia a ultrapassar a sua dependência externa e tirando também disso óbvios benefícios. Para que tal suceda, no entanto, faltam as ligações de que nos levarão da periferia para o centro do mercado energético europeu.