Aeducação universal para todas as raparigas do Afeganistão nunca chegou a passar de uma promessa por concretizar. Em 2017, 16 anos após a chegada dos norte-americanos, já a organização não governamental Human Rights Watch (HRW) alertava para os crescentes riscos de retrocesso num processo que foi sempre frágil, condicionado pela instabilidade interna do país e por uma resistência cultural, frequentemente agressiva, à emancipação das mulheres.
Mesmo nos melhores tempos, e de acordo com as estimativas mais otimistas, apenas um terço das raparigas entre os 12 e os 16 anos estavam na escola. Ainda assim, foram milhões de raparigas que se tornaram professoras, cientistas, atletas, profissionais das mais diferentes áreas. Mulheres que foram ocupar cargos na administração pública, que foram eleitas para o parlamento, que se tornaram vozes e rostos reconhecidos e respeitados.
Lido no angustiante contexto atual, o título desse estudo da HRW, retirado do testemunho de uma rapariga afegã ouvida pela ONG, torna-se ainda mais doloroso: "Eu nunca serei médica e, por isso, um dia, tu ficarás doente."
Como mulher, é inevitável imaginar-me na pele desta e de tantas raparigas afegãs. Fiz o meu percurso escolar e académico num país ainda muito dominado por homens, sendo uma das duas únicas alunas do meu ano no curso de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico, mas tive a oportunidade de me afirmar pelo meu trabalho. Em algumas geografias, o mérito e a vontade contam muito pouco se nascemos com determinado género.
Como eurodeputada, membro da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros no Parlamento Europeu, sou até levada a concluir, pelo que se está a passar no Afeganistão, e por outros sinais negativos que começam a aparecer na Europa e em países vizinhos, que as conquistas em matéria de igualdade estão longe de estar consolidadas, e que há ainda muitas batalhas por travar.
Mas o que mais me toca, naquele depoimento citado pela HRW, é a verdade tão clara que ele encerra. Ao travar os sonhos daquela rapariga, das suas raparigas, o Afeganistão estava a condenar-se a si próprio. Porque nenhum país que decide remeter metade da sua população, do seu talento, da sua força vital, a uma grotesca existência de submissão tem presente ou futuro.
O drama das mulheres afegãs é o drama de todos os afegãos, homens e mulheres, que acreditaram terem finalmente deixado atrás de si um período particularmente negro da sua história. E este é um drama que nos continuará, literalmente, a entrar pelas portas dentro. Nomeadamente a nós, cidadãos da União Europeia, porque o regresso dos talibãs significa mais instabilidade, mais conflitos, mais deslocados. Mais crises para gerir.
Não podemos assistir indiferentes ao desenrolar dos próximos capítulos. Temos de lutar, com as armas pacíficas que temos ao nosso dispor, pela paz e pela proteção dos direitos humanos naquele país. O que se está a passar no Afeganistão é um problema de todos nós. De todas nós.