Da leitura do Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, e da resposta do mesmo ao requerimento da Procuradora-Geral da República, conclui-se, não sendo eu especialista na matéria, que estão em causa duas falhas na chamada Lei dos Metadados: a sua inconstitucionalidade e a sua inadequação às regras adotadas pela União Europeia, recentemente clarificadas por um Acórdão do Tribunal de Justiça da UE.
Neste quadro, e tratando-se de um diploma que entrou em vigor há 13 anos, em 2009, chegaram a ser risíveis as acusações de "manobra política" dirigidas pelo PS ao PSD, por este ter apresentado de imediato, através do seu líder parlamentar Paulo Mota Pinto, um Projeto-Lei visando retificar as inconstitucionalidades agora assinaladas. Falamos de uma lei, sublinhe-se, aprovada durante um governo do PS, a qual o mesmo foi incapaz, entretanto, de corrigir, apesar de liderar o país há três legislaturas consecutivas.
Felizmente, depois da concludente resposta do Tribunal Constitucional à PGR, o PS já parece ter deixado de considerar extemporâneo ou inconsequente agir nesta matéria, com o primeiro-ministro a anunciar nesta segunda-feira que o partido fará, afinal, a sua própria proposta de revisão da lei. Sugiro que, para não perderem mais tempo, leiam atentamente a proposta delineada pelo deputado Paulo Mota Pinto, cuja competência em questões jurídicas está há muito demonstrada.
Sobre as notícias de que poderá ser necessária uma revisão constitucional, não me pronunciarei, mais uma vez por se tratar de um tema que não domino. Sobre o que me posso pronunciar, com o conhecimento de causa de quem está no Parlamento Europeu, é sobre a negligência que Portugal tem muitas vezes revelado na transposição para norma jurídica interna (ou concretização na prática) de diplomas estruturantes da União Europeia, dos quais os dados são apenas o mais recente exemplo.
Noutras ocasiões, livrámo-nos com uma multa ou um "puxão de orelhas" da Comissão Europeia. Desta vez, as consequências podem ser bastante mais graves, falando-se mesmo do risco de nulidade de inúmeros processos, em curso ou já decididos, cuja acusação se baseou em registos de tráfego online, comunicações e localizações dos acusados, obtidos junto das operadoras. Entre estes, alguns casos que encheram muitas páginas de jornais.
É preciso, de uma vez por todas, que se aprenda com estes erros para evitar novos dissabores no futuro. As implicações do incumprimento das regras europeias não se circunscrevem a embaraços jurídicos como o presente, nem a multas ou outras sanções. A sua principal e mais frequente consequência, com implicações a longo prazo, é a perda do comboio de transformações importantes nas linhas estratégicas da União, o que, por sua vez, nos afasta dos objetivos de convergência com outros estados-membros.
No caso concreto dos dados, estão em curso iniciativas legislativas muito importantes a nível europeu, que pretendem materializar um dos grandes desígnios da União Europeia que é a transição digital. Eu própria estou envolvida no processo, na qualidade de relatora-sombra do Partido Popular Europeu, na Comissão do Mercado Interno e Proteção dos Consumidores (IMCO), para o Regulamento Dados (Data ACT) da União Europeia.
Este diploma visa garantir a equidade no ambiente digital, estimulando a concorrência no mercado de dados e criando oportunidades para a inovação baseada em dados. Pretende ainda tornar os dados mais acessíveis a todos, proporcionando o desenvolvimento de novos serviços e a prática de preços mais competitivos dos serviços pós-venda e de reparação de objetos conectados. Serão ainda tomadas medidas contra a transferência ilícita de dados, precisamente o problema com o qual agora nos confrontamos.